2028: O ano em que a fome acabou

Este é um texto de ficção, creio que pelo título nonsense isso deve ser de fácil percepção. No entanto, as estatísticas e os dados que compõem a história são reais.

Porto Alegre, Brasil. 12 de fevereiro de 2028.

Não demorou muito para que a internet resolvesse o maior dos problemas do planeta. Nestes anos de pesquisa, ouvi pessoas comentarem que o maior problema da humanidade era a ignorância, mas para combater isso já havia o google e bibliotecas virtuais grátis. Os mais românticos diziam que era a saudade, mas para isso já havia os messengers, o facebook e chamadas de vídeo. Outros achavam que era a corrupção, mas as leis de transparência e o acesso fácil e rápido à informação tem freado os devios de dinheiro público, exceto em nações propícias a este ato, como o Brasil.

Três grandes dificuldades da humanidade foram resolvidas por meio da internet. Mas faltava a maior de todas. A fome.

Em 2013, um relatório da ONU mostrou que 4 bilhões de toneladas de comida eram produzidas anualmente. Deste total, cerca de metade era desperdiçado. Enquanto isso, 870 milhões de pessoas viviam em estado de subnutrição em países subdesenvolvidos. Fazendo as contas, tínhamos 2 bilhões de toneladas disponíveis para alimentar 870 milhões de pessoas por ano. O equivalente a isso é 2,29 toneladas de comida por pessoa ao ano.

Com este absurdo de comida sendo desperdiçada parti em busca de uma solução. Visitei países paupérrimos da África, da Ásia e da América Central. No Congo, uma criança me perguntou como que um pedaço de barro que eu trouxera era tão gostoso, se referindo a um tablete de chocolate meio derretido pelo sol. Isso me tocou. Me fez lembrar da quantidade absurda de ovos de páscoa desperdiçados a cada ano. Em um vilarejo da Nigéria, me perguntaram que tipo de planta era esta que estava seca e dentro de pacotes de plástico. E eu os ensinei como preparar um espaguete simples e sem molho, utilizando o mínimo de água possível.

Junto com a UNICEF e a ONU, desenvolvi um antigo projeto chamado “Zero Hunger”. Em tradução literal, “Fome Zero”, difere do programa assistencialista brasileiro. Em vez de ajudar financeiramente ou por meio de doações de cestas básicas, o que acontece aqui é um reaproveitamento de todo alimento desperdiçado.

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As Causas

Explico: Eram inúmeras as causas de desperdício de alimentos. Podemos citar o incentivo à compra de porções extras de comida por um “menor preço” nos fast-foods, as ofertas da espécie “pague 1, leve 2”, a curta data de validade conservadora dos alimentos industrializados, a perda de alimento durante o transporte e os vegetais considerados pelo consumidor como estragados.

Para quem não sabe, a data de validade funciona para proteger o comerciante de vender produtos estragados aos clientes. Para isso, a data é delimitada ainda antes do produto estragar de fato. Isso faz com que muitas pessoas joguem fora alimentos que ainda poderiam ser consumidos, se não por elas próprias, por outras pessoas.

Outro caso são os vegetais/frutas ditos como “estragados”. O relatório mostra que 30% destes alimentos são rejeitados por consumidores em países ricos por estarem “feios”, e assim eram desperdiçados. Um “machucadinho” na banana, na maçã ou no tomate é nada perto da triste realidade da população miserável. Como, por exemplo, os habitantes da Ilha das Flores, que se alimentavam dos tomates e dos alfaces negados pelos porcos.

A perda dos alimentos durante o transporte era gigantesca em certos países. O relatório base do projeto, de 2013, mostrou que 45% do arroz transportado na China era perdido no caminho. No Vietnã a porcentagem sobe para incríveis 80%. Este tipo de perda acontece em todo o país. As vezes em que encontrei pela frente caminhões que davam um banho de soja em meu carro nas rodovias brasileiras não foram poucas. Esta é uma questão longe de nosso alcance, mas alguns países aos poucos estão se adaptando e qualificando o transporte.

A Prática do Projeto

Para obter sucesso na erradicação da fome em países tomados pela fome resolvemos ameaçar o que as empresas e as pessoas mais temem: o bolso. O plano foi implementar novas políticas de reaproveitamento de alimentos por parte de supermercados, distribuidoras e restaurantes.

Conseguimos a realização do projeto em 65 países. Os alimentos industrializados, 7 dias antes do vencimento, devem ser entregues ao Serviço Anti-Fome, presente em mais de mil cidades nos países participantes do programa. Já os restos de comida dos restaurantes devem ser congelados e enviados ao mesmo órgão. Obviamente, as cidades sem sede estão livres deste dever.

O cadastro dos doadores e dos necessitados é feito todo pela internet. O serviço online da “Zero Hunger” é uma espécie de rede social dos famintos, onde as pessoas fazem seus pedidos e aguardam as soluções serem tomadas. Os pedidos são analisados por uma imensa equipe que direciona para onde os alimentos devem ser transportados com mais urgência. A ONU instalou pontos de internet em todas as comunidades carentes do mundo. Cada uma conta com no mínimo dois agentes voluntários do projeto.

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O método é simples. Baseia-se na multa e no reconhecimento do estabelecimento. Da mesma forma que, geralmente, o consumidor deve pagar pelo desperdício de comida deixado no prato em buffets livres no Brasil, o estabelecimento e o restaurante pagam pelo mesmo desperdício. Em troca, todo participante do programa recebe um selo do “Zero Hunger” para ser fixado no estabelecimento. Campanhas de conscientização têm valorizado o programa, fazendo com que os estabelecimentos participantes ganhem credibilidade junto aos consumidores.

Os países participantes do “Zero Hunger” que possuem carência e população miserável doam os alimentos para essa mesma população. Com o congelamento da “comida pronta” e o prazo de 7 dias de validade – que de fato se estende ainda mais – o alimento chega às comunidades carentes com condições de consumo.

Já países superdesenvolvidos que pouco ou nada possuem de miséria, como os escandinavos e outras potências europeias, foram incumbidos da espinhosa missão de ajudar as nações mais necessitadas do globo, espalhadas principalmente pela África.

Com este projeto, a fome está 90% erradicada no mundo. O próximo passo é combater a falta de água. O principal problema é que água não se planta, não se produz, está custando caro e sendo muito desperdiçada.

Quinze anos após o início do novo “Zero Hunger”, a água está prestes a desencadear uma nova guerra. Hoje, a fome já não existe mais em virtude das medidas tomadas para sua erradicação, mas a sua volta não está descartada, uma vez que a água, cada vez mais rara e cara, tem contribuído com autoridade para a menor produção alimentícia no mundo.