A caneta em punho e mãos para o alto

Em um canto abandonado, muitos ocupando um espaço pra poucos, na marginalidade e largados, dividindo o espaço com os ratos na beira dos esgotos, se apequenando sem ver uma oportunidade, uma saída, a não ser só mais um que luta por nada e que vence por pouco.

Essa é a realidade de milhões que moram longe dos olhos de quem prefere não enxergar depois do muro, realidade de tantos que fugiram do miolo e da nata, e pertencem a crosta de um meio que só aceita que poucos vivam, que apenas poucos não sintam o gosto de sobreviver mais um dia, de lutar pelo dia, pela moradia e para não ser só mais uma tardia morte dos seus sonhos.

Perdidos e ilhados no meio dos pesadelos, é uma realidade injusta para se ter, uma realidade onde a sobrevida te faz rever e subverter todas suas crenças e atitudes, sobrevivendo no inferno não dá para saber o que te convence e o que te ilude, acreditar em um plano em que a lógica é cortar seu tendão e te fazer viver pregado ao chão.

“Mas só porque é pobre tem que ser bandido?” é sua resposta. A revolta rebate esse pensamento de inverdades, com meias verdades, que são suficientes para convencer a quem procura um ideal no meio da selva.

Como disse Marighela, parafraseado por Mano Brown: “Não há revolução sem uma fuga na mão, sem justiça não há paz, há escravidão”. “Fuga” tem como significado arma de fogo. No caso de Marighela, pela situação que ele vivia, não acredito que ele estivesse tentando usar uma metáfora ao falar de revolta armada – tentar combater a repressão truculenta com palavras não parece algo aceitável – mas no caso do RAP, as coisas mudam de ponto de vista.

“Minha palavra vale um tiro e eu tenho muita munição” diz Brown, “As armas que uso é microfone, caneta e papel” diz MV Bill. Os exemplos são muitos, de demonstração do espírito escondido por trás de cada letra, de tentar repelir o movimento de repressão e exercer o poder da arte que se domina, de se revoltar, de ser contra o movimento opressor.

RAP de revolta foi sempre escutado e executado em todos os becos e vielas das quebradas de todo o Brasil. Para demonstrar essa revolta, muitos grupos tentaram contar de diversas formas a realidade em que vivem e um processo que passam, muitas estórias e casos são retratados na música para se levar a realidade ao alcance de inúmeros ouvidos.

Muitos percussores da música chegaram realmente a ir pro arrebento, pegar um fuga na mão, ir pra grupo e tentar ganhar o seu da forma que conseguia, chegando a ser exilado, mas não deixando que a ideia se prendesse mesmo dentro das grades.

O Grupo 509-E compôs seu álbum “Provérbios 13”, com o gosto do fel, da dor e da raiva, com os integrantes do grupo exilados no Carandiru. Tendo em suas referências batidas de MPB e de clássicos do RAP, o grupo tenta retratar a revolta que vive um preso e a condição do pobre naquela situação e até chegar nela.

Outros grupos mostraram a cara da revolta no meio, e chamaram a atenção na cena do RAP ao tentar fazer da sua arte instrumento de revolta, como Facção Central, Trilha Sonora do Gueto, Face do Crime, Eduardo, Ndee Naldinho, entre outros.

Desde pequeno o pobre favelado aprende que, para sair daquela vida, ou se é jogador de futebol ou cantor, que oportunidade falta, aprende e se repreende que se é desqualificado, tendo como poucas as chances, vendo muitas vezes alguém solucionando aquilo indo pra grupo e conseguindo a moto do ano ou a roupa de marca.

Mas todo favelado escuta que grupo não é vida pra ninguém, escuta no RAP, ou na mãe do favelado que morre, aos prantos; aprende que grupo não dura e não vira; aprende moral e lealdade com a quebrada.

A produção de humanidade é algo incomparável dentro dos becos e vielas, a quantidade de jovens com habilidade para se tornarem grandiosos que perdemos também, viver em um mundo onde tudo o que temos é futebol e revolta como opção – para um número tão grande de jovens – é algo que necessita de mudança, seja ela como for, pela luta ou pelo discurso, mas que a mudança aconteça.

509-E e a discussão do que é ser bandido:

Clipe do Facção Central proibido de passar na época e que levou o grupo a cadeia por apologia ao crime:

Racionais MC’s cantando Artigo 157, música que exemplifica o que significa “viver pouco como um rei”:

https://www.youtube.com/watch?v=6ddbx5l2C_8