A Consciência da Mortalidade

Por que resistimos tanto à inevitabilidade da morte?

Talvez seja pelo sentimento de angústia. Talvez seja pela crença de que o aproveitamento da vida seja proporcional à sua duração, e aí queremos viver mais e não perder tempo. Ou, simplesmente, nós resistimos à morte por ela ser inescapável.

O conhecimento da morte permeia toda nossa existência, e essa noção de mortalidade é um dos preços que temos que pagar por sermos inteligentes.

Sobre o medo da morte, o filósofo francês Diderot uma vez disse:

“O pensamento da própria destruição é como uma luz na escuridão que espalha suas chamas sobre objetos que serão consumidos. Precisamos nos acostumar a contemplar essa luz, pois ela sempre nos revela coisas que estavam ocultas. A morte é tão natural quanto à vida, então por que deveríamos ter tanto medo dela?”

No início da carreira, quando começava a clinicar, o psicanalista austríaco Sigmund Freud já percebia que todos os seus pacientes demonstravam um sentimento mórbido de terror quando o tema era a própria mortalidade, fenômeno esse que ele nomeou de “tanatofobia” (palavra que vem de Thanatos, entidade grega que simboliza morte).

Apesar de ter postulado a tanatofobia, Freud não acreditava que esse temor fosse real:

“O nosso inconsciente não lida com a passagem do tempo, não calcula o quanto nos resta viver. A causa desse medo mórbido não pode ser a morte, pois quem o expressa ainda não morreu. Aqueles que demonstram temores sombrios estão na verdade tentando lidar com conflitos mal resolvidos do passado, os quais implicam em emoções sem sentido (como o medo da mortalidade).”

Diderot apresentava uma visão otimista sobre a morte. Freud tinha um olhar mais cético. Diderot considerava a fobia da morte como racional. Por outro lado, Freud não enxergava razão no medo de morrer.

Não reagimos mal à ideia de que a morte é iminente, e sim ao fato de que ela é inexorável. O nosso inconsciente pode não lidar com a passagem do tempo e nem processar quanto nos resta viver mas, mesmo assim, temos plena consciência do nosso fim.

A angústia da mortalidade é dura, e ainda tem duas medidas. Temos receio de que vamos morrer, e também tememos a morte de quem amamos. Esses pesos se complementam, pois sempre que perdemos alguém que nos é importante – um amigo, ídolo ou ente familiar –, nos vêm a lembrança de que também somos mortais, e aí é fácil pensar no abismo que nos espera.

A teoria da Gestão do Terror

Idealizada pelo antropólogo Ernest Becker, a Teoria da Gestão do Terror parte da ideia de que os seres humanos, ao contrário dos outros animais, enfrentam algo particularmente terrível: a consciência da própria mortalidade versus o desejo de viver.

Contra o fato de que iremos morrer, nossa reação mais comum é a negação (evitamos esse pensamento), o que ocorre principalmente na infância. Quando somos crianças e alguém que amamos acaba por morrem, nos dizem que essa pessoa “está lá em cima, no céu, olhando por todos nós”. Aderimos facilmente a essa ilusão não porque estamos convencidos, e sim porque é mais confortante do que enfrentar a realidade.

Freud costumava dizer que:

“Se você quer ter o poder de suportar a vida, esteja pronto para aceitar a morte.”

Aceitar a morte é uma forma de clamar pela vida. Estando em paz com o fato de que vamos morrer, nós acabamos criando símbolos de significado e valor que nos promovem um senso de importância, aquilo que sustenta a sobrevivência, nossas razões de existir. O nosso comportamento é diretamente influenciado quando nos tornamos conscientes da própria mortalidade.

Vivemos à sombra de um apocalipse pessoal e, independentemente da filosofia ou religião que seguimos, o resultado é quase sempre o mesmo: tendemos a acreditar em histórias confortantes que prometem algum tipo de imortalidade.

4 histórias imortais sobre a mortalidade

Assim como existem vários mitos sobre a origem da vida, há várias histórias sobre seu fim. Por meio delas, nós desenvolvemos ideias e interpretações sobre o mundo e nosso lugar nele, a fim de administrar o medo da morte.

Stephen Cave, um filósofo britânico, acredita que existem quatro histórias principais sobre o viés da imortalidade. São elas:

1) A Alma

A ideia espiritual de mortalidade. Segundo ela, podemos deixar nosso corpo para trás e continuar vivendo eternamente como entidades oníricas. Uma ideia tão popular quanto enigmática.

2) O Legado

A ideia de que podemos continuar vivendo através da marca que deixamos no mundo. Sacrifícios em busca de fama eterna. No fim, um legado é o que é lembrado na memória dos que ainda não foram.

3) O Elixir

A ideia de que alguma solução científica – como elixir – prolongue a vida ao enganar a morte. Essa é uma ideia arriscada, já que todos aqueles que apostaram nela terminaram mortos. A história do elixir transmite uma mensagem: devemos superar a morte, não nos rebelar contra ela.

4) A Ressurreição

A ideia de que há vida após a morte. Inúmeras religiões disseminam esse pensamento fantasioso. A ressurreição demonstra o desejo de reviver, mas, diferentemente das outras três histórias, ela não rejeita a morte.


A morte está sempre presente, mas sua influência malevolente não poderá nos prejudicar se formos corajosos o suficiente para enfrentá-la. Tornar-nos conscientes da própria mortalidade é uma atitude digna e libertadora que desperta a vontade de viver plenamente.