A grama da timeline do vizinho tem mais likes

A dúvida é o princípio da sabedoria (Aristóteles)

Há quem defenda, e a citação acima é um exemplo, que a sabedoria consiste em levantar o maior número possível de questões, e não em saber todas as respostas e o segredo do universo, até porque ninguém tem as respostas para tudo. Quem mais chegou perto dessa resposta, para a vida, o universo e tudo mais, foi Douglas Adams, que respondeu “42”, em sua série “O Guida do Mochileiro das Galáxias”.

Enfim, falamos sobre questões. Há alguns dias levantamos a pergunta em um texto sobre um dos debates da Jornada de Literatura: “Você tem um trabalho ou tem um emprego?”.

Um debate no dia seguinte, no mesmo local e no mesmo horário, deixou o público com outra dúvida: “Você está vivendo de verdade ou apenas mostrando a sua vida na timeline?”.

Enquanto eu assistia ao debate, protagonizado pelo médico Jairo Bouer, o apresentador Vinicius Campos e a escritora Bruna Beber, eu dedava meu smartphone, ora para checar e-mails de trabalho, ora para verificar atualizações no twitter e no facebook. É duro, mas admito que fiz isso. E ao olhar para os lados notava que muitas outras pessoas faziam o mesmo. Alívio por não ser o único ou preocupante por haver uma legião de zumbis digitais que não conseguem focar a atenção em um ponto fixo?

Dos três debatedores, só Vinicius é – auto-considerado – um facebookeiro, instagreiro, twitteiro e tudo mais. Bruna Beber e Jairo Bouer possuem seus canais de comunicação na rede, mas não se enquadram no estereótipo de quem passa bastante tempo na internet. Talvez por isso, o debate, com o tema “Faces na Rede” pareceu um tanto pessimista.

A Galera na Jornada: Bruna Beber, Vinicius Campos e Jairo Bouer.
A Galera na Jornada: Bruna Beber, Vinicius Campos e Jairo Bouer.

Em todo lugar sem sair do lugar

O pessoal teme que em um futuro próximo a civilização viva em cápsulas, igual ao que ocorre no filme Wall-E. Este foi o exemplo citado no debate. Foram vistas com olhares pessimistas todas as pessoas que passam muito tempo na internet, que trabalham pela internet e que, muitas vezes, nãos saem do próprio quarto, pois trabalham no mesmo recinto em que dormem. Será que este método de trabalho em casa é tão nocivo assim à vida social humana? Isolamento? Engraçado falar de isolamento em uma Jornada de Literatura, já que no debate do dia anterior a literatura foi citada como uma arte bastante íntima e solitária. Não pareceu coerente.

Este “isolamento” depende muito de como você faz o seu trabalho e como você gere o seu tempo na internet. “Radicalismos offlines” podem não ser a solução. Um meio-termo, talvez. A vida de uma pessoa que passa a maior parte do tempo na internet e convive muito pouco com o mundo natural, real e palpável pode ser comparada à de uma pessoa que passa a vida inteira na mesma cidade e no mesmo emprego. A pessoa não possui perfil em redes sociais, mas passou quarenta anos de sua vida fazendo o mesmo trajeto casa-trabalho-bar-igreja-domingãodofaustão. Alguma diferença? Nenhuma, as duas vidas devem ser uma merda.

O fenômeno de acomodação e de “não querer ver o mundo real”, como foi citado, não é consequência da internet. Aliás, graças à internet, é possível – com absurda facilidade – preparar itinerários, mochilões, intercâmbios, viagens de férias e tudo mais. Na minha visão, a internet não só facilita o contato com o próprio mundo fora dela como conecta ambos. O on e o off já estão interligados, e disso não há como fugir.

A grama da timeline do vizinho tem mais likes

 1. Fernando e seus pais se acomodaram em um restaurante, na zona sul de Porto Alegre. Receberam o menu e a carta de bebidas de um garçom iniciante, mas esforçado. Foi quando o filho, com o smartphone em mãos, disse:
– Olha aqui, o Ricardo postou uma foto no Instagram, olha que afudê onde ele tá jantando. Muito melhor que aqui.

2. As férias chegaram e Mariana não faria uma grande viagem. Gostaria apenas que tivesse acesso à internet onde ela fosse. Essa foi a única exigência. Mariana foi, então, com a família para o interior do estado do Paraná, em uma cidade onde tinha pouco o que fazer, mas tinha três gê. Passou as férias olhando as fotos das colegas na Europa, na praia e na Disney. Nunca se sentiu tão triste. Gostaria que a internet não existisse para que ela pudesse aproveitar melhor as férias.

Tudo é relativo nas redes sociais. Tente acreditar menos na timeline.
Noite perfeita?

Os parágrafos fantasiosos – e extremos – acima foram criado a partir de exemplos debatidos durante a discussão. Deixando a demagogia e o moralismo de lado, claro que é bom mostrar aos amigos que estamos curtindo as férias na Tailândia cercado de mulheres seminuas rodeado de praias fenomenais. O fato é que você só vai para certos lugares, faz certas coisas e encontra certas pessoas se você sai do quarto e anda pelo mundo real. Ficar em casa pressionando F5 não vai te levar para o Glastonbury, mas pode fazer você se sentir triste e querer estar em outro lugar caso você não saiba lidar com a situação – e muita gente não sabe, ao menos ainda.

Você pode aproveitar a sua vida na internet e também na cidade em que você está, seja Berlim, Tóquio ou Passo Fundo. Se você não está satisfeito, você pode ir para a mesma internet e pesquisar outros lugares para morar, outros empregos em outras cidades e tudo mais. Use-a a seu favor. A internet, assim como a literatura, é nossa brother.

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