“A internet é onde as pessoas estão”

Paul Miller é um jornalista americano do The Verge, rede de notícias e mídia de tecnologia. Uma pessoa que respira internet. Em maio de 2012 ele inciou um projeto para descobrir nele mesmo, livre de internet, um ser humano melhor, mais próximo da vida real e também  identificar em que aspectos a internet muda nossa vida.

Na quarta-feira, dia 1º de maio de 2013, Paul retornou à internet e contou ao mundo sua experiência.

Confira seu relato após um ano:

Eu estava errado.

Um ano atrás eu deixei a internet. Eu achei que estava me tornando improdutivo. Eu achei que faltava sentido. Eu achei que estava “corrompendo minha alma”.
Agora faz um ano desde que eu naveguei pela internet ou chequei meu e-mail ou curti alguma coisa que não fosse com meu próprio dedo. Eu fiquei desconectado, como planejei. Estou livre da internet. E agora eu teria que contar a vocês como eu resolvi todos os meus problemas. Supostamente eu deveria ser uma pessoa iluminada. Supostamente eu seria mais “real” agora, mais perfeito.

Mas ao invés disso, são 20h e eu acabei de acordar. Eu dormi o dia inteiro, acordei com oito mensagens de voz no meu telefone de amigos e colegas de trabalho. Eu fui ao meu café jantar, assistir o jogo do Knicks, ler meus jornais e uma cópia do The New Yorquer. Agora eu estou assistindo Toy Story enquanto observo o cursor deste texto piscar na tela, querendo que ele se escreva sozinho, ansioso por gerar epifanias que minha vida falhou em criar.

Eu não gostaria de encontrar esse “Paul” no final dessa minha jornada de um ano.

No início de 2012 eu estava com 26 anos. Eu queria um tempo da vida moderna. A roda de hamster de uma caixa de entrada de e-mail, o fluxo constante de informação WWW, que abafava a minha sanidade mental. Eu queria fugir.

Eu pensei que a internet pudesse ser um estado antinatural para nós humanos ou pelo menos para mim. Talvez eu estava muito inserido para lidar com isso ou muito impulsivo para conter meu uso. Eu uso a internet constantemente desde que tenho 12 anos e como meu sustento desde os 14 anos. Fui de “paperboy”, web designer, para escritor de tecnologia em menos de uma década. Eu não conhecia eu mesmo além de um senso de conexão onipresente e informações infinitas. Eu me perguntava o que mais havia para a vida. “Vida real”, talvez, estava esperando por mim do outro lado do navegador da web.
Meu plano foi sair do meu trabalho, mudar para a casa dos meus pais, ler livros, escrever livros, e aproveitar meu tempo livre. Em um gesto glorioso superando todas as crises da vida. Eu gostaria de encontrar o verdadeiro Paul, longe de todo o barulho e me tornar melhor.

Meu objetivo seria descobrir o que a internet fez comigo durante todos esses anos

Mas por alguma razão, The Verge queria me pagar pra deixar a internet. Eu poderia ficar em Nova Iorque e compartilhar meus resultados com o mundo, sobre minha libertação da internet para os cidadão da web que deixei para trás, espalhar sabedoria sobre eles a partir da minha torre.
Meu objetivo, como um escritor de tecnologia, seria descobrir o que a internet fez comigo durante todos esses anos. Entender a internet estudando “à distância”. Eu não me tornaria apenas um homem melhor, eu nos ajudaria a tornarmos humanos melhores. Uma vez que entendermos o caminho em que a internet nos corrompe, nós finalmente poderíamos revidar.

As 23h59 do dia 30 de abril de 2012, eu desconectei meu cabo de conexão, desliguei meu wi-fi, troquei meu smartphone para um não tão esperto. Eu me senti muito bem. Eu me senti livre.

Algumas semanas depois, eu encontrei-me entre 60 mil judeus ultra ortodoxos, vazando pelo campo do New York’s o aprendizado do mais respeitado rabino sobre os perigos da internet. Naturalmente. Fora do estádio, eu fui descoberto por um homem com um dos meus artigos sobre deixar a internet. Ele estava ansioso por me encontrar. Eu tinha escolhido evitar a internet por muitos dos mesmos motivos que a sua religião expressa cautela sobre o mundo moderno.

“Está reprogramando nossas relações, nossas emoções, e nossa sensibilidade.” Disse um dos rabinos no comício. Destroi nossa paciência. Transforma crianças em vegetais. Meu novo amigo de fora do estádio me encorajou a fazer mais do meu ano, “parar para cheirar as flores”. Isso seria maravilhoso.
Tudo começou muito bem, posso te garantir. Eu realmente comecei a cheirar as flores. Minha vida estava cheia de eventos fortuitos: encontros reais com pessoas, frisbee, passeios de bicicleta e literatura grega. Sem muita ideia de como fiz isso, consegui escrever metade de meu romance e mandava um texto para o The Verge uma vez por semana. Em um dos primeiros meses meu chefe expressou ligeira frustração com o quanto eu estava escrevendo, o que nunca aconteceu antes e nunca mais aconteceu desde então.

Perdi quase sete quilos sem nem tentar muito. Comprei roupas novas. E as pessoas me contavam como eu parecia bem, feliz. Em uma sessão meu terapeuta literalmente se espalmou no traseiro.

Eu estava um tanto entediado, um tanto solitário, mas eu encontrei uma maravilhosa mudança de ritmo. Eu escrevi em agosto, “É o tédio e a falta de estímulo que me levam a fazer coisas que eu realmente me importo, como escrever e passar tempo com os outros.” Eu tinha certeza que eu tinha tudo planejado e eu disse isso a todos.

Como minha cabeça estava organizada, a minha atenção expandia. No meu primeiro mês ou dois, dez páginas de The Odyssey era um trabalho árduo. Agora posso ler 100 páginas de uma vez, ou, se a prosa é fácil e eu estou realmente encantado, posso ler algumas centenas.

Eu aprendi a apreciar uma ideia que não pode ser resumida em um post de blog, mas ao invés disso precisa da extensão de um livro. Ao puxar para longe do eco da cultura de internet, eu encontrei minha ideias ramificando-se em novas direções. Eu me senti diferente, e um pouco excêntrico e eu gostei.
Sem a facilidade do smartphone, eu fui forçado a sair da minha concha em situações sociais difíceis. Sem constante distração, eu descobri que eu estava mais consciente dos outros no momento. Eu não poderia mais ter todas as minhas interações no Twitter, eu teria que encontrá-los na vida real. Minha irmã, que tem lidado com a frustração a vida toda de tentar falar comigo enquanto eu estou ouvindo metade ela, metade o computador. Agora ela ama o jeito que eu falo com ela. Ela diz que estou menos isolado emocionalmente, mais preocupado com o seu bem-estar e sendo menos idiota, basicamente.

Além disso, e eu não sei o que isso tem a ver, mas eu chorei durante Os Miseráveis. Parecia então, nesses primeiros meses, que minha hipótese estava certa. A internet  tem segurado do meu verdadeiro eu, o Paul melhor. Eu tinha puxado o plugue e encontrado a luz.

 De volta a realidade

Quando eu deixei a internet eu esperei que minhas entradas no jornal seriam algo como: “Eu usei um mapa hoje e foi hilário” ou “Livros de papel? O que são eles?” ou “Alguém tem uma cópia offline da Wikipédia para me emprestar?” Isso não aconteceu.

Na maior parte do tempo, as aspectos práticos desse ano passaram com pouco aviso prévio Eu não tive problemas em navegar por Nova Iorque pelo tato, e eu comprei mapas para me achar em outros lugares e me dei conta que livros de papel são realmente ótimos. Eu não comparo lojas para comprar uma passagem de avião, eu simplesmente ligo para a Delta e pego o que eles oferecem.

Na verdade, a maioria das coisas que eu estava aprendendo poderia ser realizado com ou sem uma conexão com a internet – você não precisa de uma internet rápida para se dar conta que sua irmã tem sentimentos.
Mas uma grande mudança foi o correio tradicional, Eu tenho uma caixa postal deste ano e eu não posso demonstrar a minha alegria em ver a caixa cheia de cartas de leitores. É algo tangível, e algo difícil de simular com um e-card.

Precisamente adorável, uma menina escreveu em um pedaço de papel “Obrigado por deixar a internet”. Não como um insulto, mas como um elogio. Essa carta significa o mundo pra mim.

Mas então eu me senti mal, porque eu nunca escrevi de volta.

E então, por algum motivo, mesmo indo aos correios soava como trabalho. Comecei a temer as letras e quase ressenti-las.
Como verificou-se, uma dúzia de cartas por semana pode revelar-se tão esmagadora como uma centena de e-mails por dia. Um bom livro teve motivação para ler, se eu tinha a internet como uma alternativa ou não. Sair de casa para curtir com pessoas tomou tanta coragem como nunca antes.

No final de 2012, eu tinha aprendido como fazer um novo estilo de escolhas erradas fora da internet. Eu abandonei meus hábitos positivos e descobri novos vícios offline. Em vez de tomar o tédio e a falta de estímulo e transformá-las em aprendizado e criatividade, eu me virei para o consumo passivo e me afastei do convívio social.

Um ano depois e eu não ando tanto de bicicleta. Meu frisbee reúne poeira. Na maioria das semanas eu não saio com pessoas nem sequer uma vez. Meu lugar favorito é o sofá. Eu descanso meus pés na mesa de café, jogo vídeo game e escuto um audiolivro. Eu escolho um jogo estúpido, como Boderlands 2 e Skate 3, e distraidamente meu polegar viaja pelo mundo do jogo, enquanto minha mente repousa no audiolivro ou talvez nem isso.

 Pessoas que precisam de pessoas

As escolhas morais que fazemos não são muito diferentes dentro e fora da internet. Coisas práticas como mapas e compras offline não são difíceis de se acostumar. As pessoas ainda se sentem bem em te indicar que caminhos seguir na rua. Mas sem a internet, certamente é mais difícil achar as pessoas. É mais difícil fazer uma ligação que enviar um e-mail. É mais fácil escrever pra alguém via SnapChat ou Facebook do que chegar na casa dela. Não que esses obstáculos sejam intransponíveis. Até consegui ultrapassá-los no começo, mas isso não durou muito.

É difícil explicar o que exatamente mudou. Eu acho que os primeiros meses me fizeram sentir bem porque senti a ausência das pressões da internet. Senti minha liberdade tangível. Mas quando eu parei de ver minha vida no contexto de “eu não uso internet”, a existência offline tornou-se banal, e os piores lados de mim começaram a surgir.

Eu gostaria de ficar em casa por dias. Meu celular morreria, e ninguém conseguiria me segurar. De certa forma, meus pais ficariam fartos de tentar saber se eu estava vivo e enviariam minha irmã ao meu apartamento para ver como estou. Na internet era fácil estar certo de que as pessoas estão vivas e bem, fácil de colaborar com meus colegas de trabalho, fácil de ser uma parte relevante da sociedade.

Tanta tinta foi derramada ridicularizando o falso conceito de um “amigo da Facebook”, mas posso dizer a você que um “amigo de Facebook” é melhor que nada.

Meu melhor amigo distante, com quem conversei semanalmente pelo telefone durante anos, mudou-se para a China este ano e eu não falei mais com ele desde então. Meu melhor amigo em Nova Iorque simplesmente desapareceu em seu trabalho, como eu falhei em manter nossos planos sociais.

Eu caí fora de sintonia com o fluxo da vida.

 Tem muita “realidade” no virtual, e muito “virtual” em nossa realidade

Em março deste ano, eu fui para, ironicamente, uma conferência em Nova Iorque chamada “Teorizar a Web”. Ele estava cheio de pós-graduados apresentando trabalhos complicados sobre a definição da realidade e o que o feminismo parece em uma era pós-digital e coisas desse tipo. No começo eu estava um pouco presunçoso, porque eu senti que eles estavam lidando com meras teorias, teorias que afirmavam que a internet estava em tudo, enquanto eu estava experimentando uma vida separada.

Mas então eu falei com Nathan Jurgenson, um teórico da internet que ajudou a organizar a conferência. Ele ressaltou que existe muita realidade no virtual e muito virtual na nossa realidade. Quando usamos um telefone ou um computador, nós ainda somos seres humanos de carne e osso, ocupando tempo e espaço. Quando estamos brincando em um campo em algum lugar, nossos “gadgets” estão longe, a internet ainda afeta o nosso pensamento. “Será que vou tuitar sobre isso quando eu voltar?”

Meu plano foi deixar a internet e, portanto, encontrar o “Paul real” e entrar em contato com o mundo real, mas o “Paul real” e o mundo real já estão indissoluvelmente ligados à internet. Não quer dizer que a minha vida não foi diferente sem internet, só que ela não era a vida real.

Algumas semanas atrás eu estava no Colorado para ver meu irmão antes dele ser enviado ao Qatar com a Força Aérea. Ele tem um novo bebê de cinco meses de idade chamado Kacia, que só tinha visto por fotos enviadas pela minha cunhada.

Eu passei um dia com meu irmão e na manhã seguinte fui com ele ao aeroporto. Eu assisti quando ele beijou sua esposa e filhos e disse adeus. Não me pareceu justo que ele tinha que partir. Ele é uma heroi para essas crianças, e eu odiei ver eles perdendo ele por seis meses.

Meu colegas de trabalho da Jordan e Stephen me encontraram no Colorado para embarcar em uma viagem de volta a Nova Iorque. A ideia era de encerrar meu ano com um pequeno documentário, e gastar as horas no carro tratando do que já aconteceu e o que viria acontecer.

Eu pensei bastante se eu poderia ter sucesso online, quando eu falhei offline

Antes de sairmos, eu passei um pouco mais de tempo com as crianças, fazendo o meu melhor para ser uma ajuda para minha cunhada, fazer o melhor para ser um super tio. E então nós tivemos que ir.

Na estrada, Jordan e Stephen fizeram perguntas sobre mim. “Você acha que é muito rígido com você mesmo?” Sim. “Este ano foi de sucesso?” Não. “O que você quer fazer quando voltar para a internet?” Eu quero fazer coisas para outras pessoas.

Nós paramos em Huntington (West Virginia) para encontrar um heroi para mim. O editor-executivo do site de videogame Polygon Justin McElroy. Eu encontrei com Nathan Jurgenson em Washington DC. Eu pensei bastante se eu poderia ter sucesso online, quando eu falhei offline. Eu pedi conselhos.

O que eu sei é que eu não posso culpar a internet, ou qualquer circunstância, para os meus problemas. Eu tenho muitas das mesmas prioridades que eu tinha antes de eu sair da internet: família, amigos, trabalho, aprendizagem. E eu não tenho nenhuma garantia de que vou ficar com eles quando eu voltar para a internet – Eu provavelmente não vou, para ser honesto. Mas pelo menos eu sei que não é culpa da internet. Eu vou saber quem é o responsável, e quem pode corrigir isso.

No início da noite de terça-feira, a última noite da viagem, a gente parou em frente ao rio de NY para tirar uma foto de Nova Jersey para o horizonte de Manhattan. Estava frio, noite limpa, e eu me inclinei contra a grade frágil e tentei fazer uma pose casual para a câmera. Eu estava tão perto de NY, tão perto de terminar. Eu ansiava pela solidão confortável do meu apartamento, e ainda temia o retorno ao isolamento.

Em duas semanas eu estaria de volta na internet. Eu me senti como um fracasso. Eu senti como se eu estivesse desistindo de novo. Mas eu sabia que a internet era onde eu pertencia.

Eu tenho lido posts em blogs, artigos de revistas e livros sobre como a internet faz de nós solitários, ou estúpidos, ou solitários e estúpidos, que eu tenho começado a acredita neles. Eu queria descobrir o que a internet “estava fazendo comigo”, então eu poderia enfrentar isso. Mas a internet não é uma busca pessoal, é algo que fazemos entre nós. A internet é onde as pessoas estão.

 A internet não é uma busca pessoal, é algo que fazemos entre nós todos.

Minha última tarde em Colorado, eu sentei com minha sobrinha de 5 anos, Keziah, e tentei explicar para ela o que é a internet. Ela nunca ouviu falar em “a internet”, mas ela é grande no Skype com as chamadas dos avós. Eu perguntei a ela se imaginava o porquê eu nunca a chamei no Skype esse ano. “Eu achei que era porque você não queria”, ela disse. Com lágrimas nos meus olhos, Eu desenhei para ela uma imagem do que a internet é. Eram computadores, telefones e televisões, com pequenas linhas conectando eles. Essas linhas são a internet. Eu mostrei meu computador, desenhei uma linha até ele e apaguei a linha.

“Eu passei um ano sem usar internet”, eu disse a ela, “Mas agora eu estou voltando e posso conversar com você pelo Skype de novo.”

Agora que voltei para a internet, eu posso não usar bem. Eu posso perder tempo, ou ficar distraído, ou clicar em todos os links errados. Eu não terei tanto tempo para ler ou ficar introspectivo ou escrever o melhor romance americano de ficção científica. Mas ao menos eu estarei conectado.

Confira o texto original em inglês aqui.

Mini documentário “Finding Paul Miller”

Vídeo por Jordan Oplinger & Stephen Greenwood
Editado por Jordan Oplinger
Mixagem de áudio por Brendan Murphy
Agradecimentos especiais para Billy Disney, John Lagomarsino, Regina Dellea, Ross Miller, Ryan Manning, Sam Thonis, and Thomas Houston
Fotografia por Michael B. Shane
Direção de arte por James Chae

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