Amizade em tempos de whatsapp

Antigamente, era feliz a família que tinha pelo menos um aparelho celular. Depois tornou-se comum e todos aspiravam o telefone móvel. Com o tempo, as distâncias se encurtaram cada vez mais e as ligações minimizaram para os torpedos – SMS. Até ontem comprávamos pacotes de mensagem da nossa operadora para tornar mais fácil a comunicação. Acordei e havia um aplicativo com todos os meus contatos para que eu conversasse com eles em tempo real. E mais: havia um espaço para a reunião de pessoas em comum. Os grupos do Whatsapp transformaram um pouco os conceitos do século XXI.

Volto novamente à Modernidade Líquida – pensada pelo magnífico Bauman – para constituir e firmar a ideia do passageiro, do veloz e do substituível. Em tempos de Whatsapp amizades começam, são quebradas, reatadas e sim, são extremamente complicadas. Criar um grupo no aplicativo é motivo de fidelidade cega, cumplicidade e amizade dos mais altos níveis. Sair de um grupo é o término. É o “eu quero um tempo”, “não estamos dando certo”, “não gosto de você da mesma maneira que você gosta de mim”. Ler Fulana saiu é uma audácia das mais perigosas: o risco de afastamento detectou o ponto mais crítico.

Vivendo na era do smartphone, da internet disponível a qualquer hora e do vício eletrônico, o conceito de amizade vem se tornando cada vez mais digital (também). E sim, ele é passageiro. Ele se sustenta até o momento em que silenciar o grupo é a melhor opção. Em tempos de grupos no Whatsapp, a conversa olho a olho se tornou banalizada e é ali mesmo que os pratos serão postos na mesa – ou a roupa suja será lavada. Seja por áudio, seja pela escrita, o Whatsapp se tornou um meio de comunicação que vem excluindo – involuntariamente – as outras formas de manter contato.

Porém, para não crucificar o pobre do aplicativo que nasceu com uma boa intenção, há motivos para agradecer ao seu criador: vá lá, ele facilita muito nossa vida. Na faculdade, por exemplo, sempre que há um trabalho um novo grupo é formado para depois ser desfeito. No trabalho, garanto que há uma reunião dos seus colegas no seu aplicativo. Os encontros tornam-se muito mais fáceis. Manda-se localização, foto do local, explica-se com a voz ou mesmo com as palavras. Mas ainda assim o Whatsapp vem lançando devagarzinho a discórdia nos amigos de zap-zap.

Visualizou e não respondeu? Não quer falar. Também não falo mais. Ouviu o áudio e não comentou mais nada? Por que não diz logo que não quer conversar? Todos conversam no grupo e você não? Ah, ela só aparece quando precisa. E dessa forma as ferramentas do aplicativo vão tomando uma aparência de subentendido que há muito não se via.

Segundo o dicionário Aurélio, amizade significa afeição recíproca entre dois entes (até aqui, ok!) e manter boas relações. Da mesma forma é ser “amigo”: se relacionar de uma maneira agradável com o outro. Pronto! É nessa parte que o Whatsapp se comporta como o grande vilão das relações amigáveis, familiares, como seja. A partir do momento que nossas relações são pautadas pelo wifi liberado do vizinho ou o 3G lento do seu celular nada de nós pode ser cobrado com tamanha fidelidade. Além disso, ao conversamos por mensagens, mesmo que instantâneas, não podemos ficar supondo reações. Nós não sabemos o que o outro está fazendo, se está ocupado ou se simplesmente esse é o seu jeito de falar por palavras rápidas. A comunicação via smartphone é uma faca de dois gumes. Frases curtas logo te impedirá de manter uma conversa. A demora para responder também te tirará do sério.

A verdade é que pra conviver na era do Whatsapp é preciso ser gente grande. É preciso ter a consciência de que ele não foi feito para desunir, mas para encurtar. Fazer amizades hoje em dia se tornou esse perigo. É necessário uma mentalidade crescida para entender que nem todo mundo é adepto a esse meio e que a vida está sendo passada do lado de fora da tela. Não se agrupa amizades no Whatsapp: se agrupa a facilidade. Amizades são feitas e refeitas na era do smartphone. É que em tempos de Whatsapp quem tem amigo na vida real é rei. Sou rainha, ainda bem!