Andrew Solomon e as Revoluções Por Identidade

Andrew Solomon é um escritor americano que aborda temas em torno da psicologia. Ele já atuou como redator para a New York Times Magazine e também colaborou no jornal The New Yorker, entre diversas outras publicações renomadas.

O americano é um dos maiores ativistas mundiais dos direitos LGBT, saúde mental e educação infantil, tendo criado vários grupos de pesquisa e comunidades filantrópicas para discutir reformas sociais e políticas.

Solomon é autor de vários livros, nos quais aborda assuntos variados como educação, diversidade, depressão, direitos homossexuais, construção de identidade e a busca de significados.

Seu primeiro livro, “O Demônio do Meio Dia”, ganhou o prêmio National Book Award de 2001, foi indicado para o Pulitzer em 2002, e também está na lista do Times Of London dos 100 melhores livros da década.

Seu livro mais recente, “Longe da Árvore: Pais, Filhos e a Busca de Identidade”, venceu incríveis 24 prêmios de melhor livro de 2012.

Além de escritor revolucionário, Solomon se destaca também por seus discursos poderosos que ele promove para o TED. Um destes discursos merece destaque especial, tamanha a paixão e sinceridade que ele transmitiu com suas palavras.

As piores experiências de nossas vidas nos fazem quem somos

Em apresentação para o TED (abril de 2014), Solomon falou sobre como os piores momentos de nossas vidas vão construindo aquilo que somos.

Nesse discurso (acessível no final do artigo), o americano apresentou quatro histórias de sua vida que mostram como as pessoas podem moldar sua identidade a partir das experiências negativas que viveram.

O mantra da vida de Solomon é:

“Forje significados, construa identidade.”

A seguir, as quatro histórias que ele usou para exemplificar esse mantra:

1. A sorte do estupro

Para embasar o conteúdo de seu último livro, sobre famílias que lidam com filhos de distintas personalidades, Solomon entrevistou centenas de pais e mães em inúmeros países.

Uma das mães entrevistadas por Solomon lhe causou maior comoção, pois ela foi brutalmente estuprada na infância, e esse evento acabou por interferir em todos os seus relacionamentos emocionais no futuro.

Durante a entrevista, ele perguntou àquela mãe:

– Você pensa muito no homem que te estuprou?

– Eu costumava pensar nele com raiva, mas agora somente com pena.

– Pena?

– Sim, porque ele tem uma linda filha e dois lindos netos e sequer sabe disso, e eu sei. Então, como se vê, eu que tenho sorte.

Ou seja: essa mulher transformou o fato de ter sido estuprada num significado de vida que faz parte de sua identidade (ser uma mãe).

Por ter sido molestada, essa mulher poderia passar o resto de sua vida imersa em cólera ou remorso mas, ao invés disso, ela sente gratidão pelo filho que gerou, e orgulho por ser uma verdadeira mãe, apesar das circunstâncias adversas.

2. As dádivas do bullying

Quando Solomon estava na 2ª série do colégio, um “colega” de classe chamado Bobby Finkel deu uma festa de aniversário e convidou todos da turma, menos ele (pois Bobby o odiava e não queria que fosse à sua festa).

É claro que Solomon ficou chateado por isso. No entanto, sua mãe interveio para amenizar essa melancolia. No mesmo dia da festa em que foi recusado, a mãe o levou ao zoológico, onde eles tomaram um delicioso sundae com muita calda de chocolate.

Solomon não pôde participar daquela festa, mas nunca mais irá esquecer o passeio prazeroso que teve com sua mãe. Ou seja, ele transformou um evento negativo numa experiência inesquecível. Ele forjou um significado.

Durante todo seu período escolar, Solomon tinha trauma de ir à cantina: quando ele se sentava com as meninas, tiravam sarro dele por não tomar atitudes. Quando ele se sentava com os meninos, tiravam sarro dele por não sentar com as meninas.

“Eu sobrevivi à esta infância por uma mistura de evasão e perseverança. O que eu não sabia na época (e agora sei) é que evasão e perseverança podem ser o início de se forjar significado. Depois de forjar significado, você o incorpora em uma nova identidade.”

De acordo com ele, quando sentimos vergonha das coisas ruins que aconteceram, nós não conseguimos contar nossas histórias, sendo que elas representam tudo aquilo que somos.

“Você precisa pegar os traumas e fazê-los parte do que você se tornou, e precisa transformar os piores eventos da sua vida em uma narrativa de triunfo, evidenciando um eu melhor em resposta às coisas que machucam.”

3. Os benefícios do cárcere

Num país chamado Birmânia existem várias prisões, todas elas com superlotação de encarcerados. Na maioria dos casos, essas pessoas são prisioneiros políticos que inconscientemente cometeram os crimes que as levaram à prisão. Solomon decidiu visitar essas pessoas.

O americano tinha em mente que esses indivíduos, naquela época reclusos, estavam profundamente amargurados por estarem presos. Mas, surpreendentemente, ele descobriu comportamentos completamente diferentes do que ele imaginava captar.

Em cada uma das entrevistas que fez com os presos, Solomon notou que eles chegavam com suas cabeças erguidas, e saíam com suas cabeças ainda erguidas, mesmo após terem cometido tamanhas atrocidades.

Uma das pessoas que Solomon entrevistou na Birmânia foi a Dra. Ma Thida, uma líder ativista dos direitos humanos que já havia passado décadas em confinamento solitário, tendo quase morrido por conta disso.

Durante a conversa entre os dois, Ma Thida apenas afirmou que ela é grata aos seus carcereiros pela oportunidade que teve para pensar e refletir, pela sabedoria que havia adquirido, e pela chance de aprimorar suas habilidades de meditação. Solomon lembra:

“Forjar significado e construir identidade são atitudes de pessoas que sofreram privação; são condutas de pessoas que têm a força de mudar a si mesmas. Forjar significado e construir identidade não faz o certo do errado: só torna precioso o que era errado.”

4. Os valores da liberdade

Em 1988, Solomon viajou à Rússia. Dessa vez, ele queria conversar com artistas do underground soviético para verificar como eles reagiam aos golpes políticos que aconteciam (e ainda acontecem) por lá.

Na ocasião, aqueles artistas revolucionários eram os principais organizadores da resistência ao golpe, e Solomon estava junto com eles.

No terceiro dia de conflito, um dos artistas sugeriu que o grupo fosse até a Praça Smolenskaya, o epicentro do conflito. Solomon foi com os russos até o local.

Chegando lá, eles se postaram bem em frente a uma das barricadas de ataque. Pouco tempo depois, surgiu um tanque vindo na direção deles, de onde emergiu um soldado que anunciou:

“Temos ordens incondicionais de destruir essa barricada. Se saírem do caminho não temos que machucá-los mas, se não saírem, não teremos escolha, a não ser atropelá-los”.

Os artistas responderam:

“Dê-nos só um minuto para lhe dizer o por que estamos aqui.”

Então, o soldado cruzou os braços, e os artistas começaram a cantar um recital poético sobre democracia. Nesse instante chovia muito. Quando os artistas terminaram de cantar, o soldado ficou um minuto inteiro calado, refletindo, depois falou:

“O que vocês disseram é verdade, e temos que nos curvar ao desejo do povo. Se nos derem espaço para nos virarmos, vamos voltar por onde viemos.”

E foi isso que os soldados fizeram. Munidos com um arsenal de armas letais, eles simplesmente recuaram frente ao cântico de paz e justiça entoado por meros artistas revoltados.

O grupo de revolucionários transformou um conflito de guerra num significado real que teve o poder de cessá-lo.

“A opressão cultiva o poder para opô-la, e eu gradualmente entendi isso como a pedra fundamental da identidade. Às vezes, forjar significado pode fornecer o vocabulário necessário para lutar pela sua liberdade suprema […] Nós não buscamos experiências dolorosas para privar nossas necessidades, mas buscamos nossas identidades ao final de experiências dolorosas. Não podemos suportar um tormento sem sentido, mas conseguimos suportar uma enorme dor, se acreditarmos que ela tem um propósito.”


Sempre há alguém querendo confiscar nossa humanidade, e sempre há histórias que as restauram. Se nós vivermos em voz alta, nós podemos vencer o ódio, e expandir a vida de todos. Forje significado, construa identidade. E depois convide o mundo para compartilhar sua alegria (A.S).

Assista a palestra na íntegra: