Azul é a cor mais loka

Por um designer daltônico. Sim, daltônico.

Nunca fui muito bom nas minhas escolhas amorosas. Mas o azul foi minha primeira paixão, algo que me deixava confortável e, ao mesmo tempo, me tirava o fôlego. Sem saber o porque que eu sempre tive tantas roupas dessa cor, o porque de sempre escolher ela pra maioria dos meus trabalhos, segui apaixonado.

Numa regressão deep down, de volta a 1991: eu, com 5 anos de idade e na minha primeira aula de educação artística. Entre árvores e casinhas desenhadas eu recebi meu primeiro zero. Porra, eu não merecia tomar no cu daquele jeito! A tia olhou pra minha árvore com as folhas marrons e soltou: “Felipe, você é burro? Árvores tem folhas verdes!”(uma fofa né gente?) Pois dei-me por chorar largado.

it's all happening

Mais tarde, já na terceira série, fui escolhido, dentre mais de 12 alunos, para ser o cara. Pintar o mapa?! Eu não podia acreditar, era minha primeira grande responsa como artista. Terminei minha obra e escutei: “Lipe, por que você afundou Minas Gerais? Azul não pode!”

Merda.

Um punhado de outras situações como essa sugiram até eu terminar a escola e decidir o que eu queria fazer da vida. Escolhi ser Designer.

Cinco anos depois, recebi a visita de uma clínica de oftalmologia na agência. No teste das letrinhas, escutei que eu tinha uma visão de águia! Olha eu chutando a bunda daquela tia, chuuuuupa. “Agora só um testezinho besta com sua visão para as cores.” Meu pesadelo tinha nome — Ishihara. Pam! O garotinho que pintou as folhas de marrom não era burro, era apenas semi-cego das cores.

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Meo deos, quantas vezes já postaram essa piada na minha timeline?

A médica: “Tá, isso é bem comum entre homens. Mas você não trabalha na criação não, né?” Respondi: Trabalho sim, sou Diretor de Arte.

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Pam! (sabe aquele sonzinho do inferno? Então.)

Meu mundo caiu? Não. Fui chorar na cama que é lugar quente? Também não.

“Qual é a cor da minha porta?” perguntou o melhor oculista que achei. Respondi na lata: “Azul claro. Certeza.” Pam! A caceta da porta era cinza. Diagnóstico: daltônico pra caralho. Tell me more… Nossa visão é baseada em: vermelho, verde e azul (o tal RGB). Em ordem de prejuízo, eu vejo 23% do verde, 35% do vermelho e 55% do azul. AZUL mano. Ô glória, ô cô abençoada. Azul é a mais vista e logo, mais amada pelos daltônicos. ❤

Um designer daltônico.

Piada pronta, né? Foi o que pensei, mas por uns meros segundos. Daí, dei risada e passou. 350 milhões de homens são daltônicos. Legal, mas sou designer. E além de não desistir de fazer o que amo (afinal, o photoshop tem o hexa que não nos deixar errar tanto), me dispus a criar alguma coisa para ajudar meus parceiros de burrice.

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Pesquisando na rede mundial de computadores, achei o alfabeto das cores criado pelo Designer Purtuguêix Miguel Neiva. Símbolos que podem ajudar em situações do cotidiano, como pegar metrô ou até se vestir.

Certa vez, tentando criar uma marca de café que era pra ser marrom, eu fiz um charmoso e hipster logo vintage, verde. ¬¬ Foi de cair o cu da bunda.

Como não deixar isso acontecer mais? Logo, surgiu a ideia de fazer um simples color picker da vida real, para me mostrar qual bendita cor era aquela. Voilà! Nasceu o app Colorblindness (do inglês, daltonismo).

O app cinza mais colorido que existe.

Funciona assim: Você aponta o celular, segura na mira e ele te mostra que cor que é. Pronto. Vem também com um tutorial de como usar o código color add do Miguel. Temos que nos ajudar né? O app é for free e com o código aberto no Github. Precisamos parar com essa cultura de patente que só atrasou nossos avanços tecnológicos até agora.

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Tela inicial do app Colorblindness. Eu criei junto com meu bro Ader Moreira e está sendo programado por Fábio Nicolau, com suporte do Isaac Eliape no front end.

Bem, espero que esse app ajude geral que tem daltonismo. Pois eu entendo a agonia de responder pra todo mundo “Que cor é essa? E essa?” E aguentar o “Você está me zuando, fala sério!”

Eu nasci “burro” das cores e nunca me importei tanto com isso.

Ironicamente, ou não, isso não atrapalhou na evolução do meu trabalho. A forma como eu lido com as cores é diferente. Talvez mais forte e viva. E isso acabou sendo uma das coisas mais elogiadas no meu portfolio aí no Brasil, lá na Ucrânia e agora aqui no Canadá (Tia infeliz da escola 0 x 3 Felipe). E sabe porque? Pelo simples fato de eu não conseguir enxergar como você 😉

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Adèle, você estava certa. Azul é a cor mais quente.

Artigo publicado originalmente no Medium e reproduzido no La Parola com a autorização do autor. Os hyperlinks foram coloridos em azul em homenagem.