Bolhas de liberdade

Já reparou no seu grupinho de amigos? Uma cambada de gente que se sente melhor e que só ali podem falar livremente sobre as merdas que acontecem pelo mundo. E não entendem o seu zé que vive na roça, com mulher e filhos, puxando lenha no girico, bebendo café torrado no fogão à lenha.

Seu zé que merece meu respeito. Não tá nem aí para esses negócios malucos, mercado de ações, capitalismo, Kant, o caralho todo. Seu zé não sabe dizer quem veio primeiro, o ovo ou a galinha. E nem pensa no assunto. Mas sabe que quando ela canta é por que tem ovo. E sabe que vai chover por que o céu está assim meio esquisito. E fica puto quando homens engravatados batem na sua porta oferecendo fortunas pelo seu pedaço de terra. “Tem minério bem debaixo do seu nariz”, diz o barrigudo. Seu zé não quer nem saber. E expulsa os homenzinhos à base de tiros de espingarda.

Toda manhã seu zé vai tratar das galinhas, enquanto a mulher cuida da horta. Tudo verdinho, o adubo é cocô de vaca. Mas isso tá errado. Não pode. O negócio agora é viver na cidade, conforto, desenvolver as potencialidades. Estudar inglês e decorar todas as teorias filosóficas. Ser bom em matemática, engenharia está em alta. Ver filmes, séries, ser viciado em jogos. Os filhos do seu zé não aguentam, querem ver o mundo. A vizinha, que mora a menos de dois quilômetros de distância, tem TV.

E então, exatamente às sete, os filhos do seu zé partem em correria para a casa da vizinha. E a turma toda se junta na sala para ver a novela. E sonham com um futuro mágico, casamentos requintados e carros de luxo. Agora já não gostam da terrinha dos pais. Aquilo ali é o ó. Não serve para nada. Um inventou que quer ir para a cidade grande, ser gente como toda gente. Seu zé não sabe o que pensar. Não sabe nem mesmo dizer ao filho o que é bom e o que é ruim. Os olhos cansados não conseguem acompanhar todos os movimentos. Quando se assusta a casa está vazia e os filhos estão morando longe.

Enquanto isso, jovens bebem cerveja durante o intervalo das aulas. E se esquecem das aulas, preferem a cerveja. São bons demais para aprenderem alguma coisa dentro das salas de aula. Salas com professores pré-históricos. Eles são do contra. Contra corrente. Outra conversa fiada. Bolhas de liberdade, gente fora do sistema. Seu zé que fique onde está.