Caxirola, Uma Tragédia Anunciada

Que pena, Carlinhos Brown
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Rio de Janeiro, 14 de janeiro de 2001. Mais de 200 mil pessoas estavam na Cidade do Rock para mais uma noite de shows do Rock in Rio 3. Naquela data subiram ao palco bandas consagradas do rock nacional e internacional. Apesar da variedade de estilos do festival, aquela noite era noite de rock. A programação era Guns’n’ Roses, Oasis, Papa Roach, Ira & Ultraje a Rigor, Pato Fu e Carlinhos Brown. Eu não errei o texto. Carlinhos Brown tocou no Rock in Rio 3 na mesma noite que Oasis e Guns’n’Roses.

Em certo momento do show, Carlinhos Brown desceu do palco e ao som do axé começou a correr no corredor, entre o público. O que aconteceu na sequência foi uma saraivada de qualquer coisa que as pessoas tinham em mãos. O público eram os arqueiros e Carlinhos Brown o inimigo, no centro da batalha. O pedido de paz do cantor foi aplaudido por uma parte do público enquanto a outra parte continuava o ataque de plástico e as incessantes vaias.

Naquele momento, Carlinhos Brown pensou: “Isso vai ter volta”. E teve, mas de uma maneira inusitada. Não teve show do Guns’n’Roses no carnaval carioca, na mesma cidade do festival de rock. Não teve dançarino de axé jogando copos de plástico durante os solos de guitarra de uma banda de rock. Foi diferente.

Existe uma semelhança entre um festival de música e um jogo de futebol. No festival, quando um artista é escalado para tocar em um dia em que o ritmo predominante é outro, significa que haverá vaia do público. No futebol, quando o time da casa está perdendo, também haverá vaia. A diferença aqui é que nos estádios de futebol há mais violência que nos festivais de música.

Carlinhos Brown demonstrou nos últimos meses que além de músico é inventor. De mal gosto, convenhamos. Inventar um instrumento chamado caxirola para mostrar “o som do Brasil” aos gringos, sendo que o país possui “N” instrumentos de variados ritmos e culturas para este fim é uma afronta à própria tradição. É pior que o nacionalismo ufanista cego, é um nacionalismo mascarado, plagiado da África do Sul e suas insuportáveis vuvuzelas.

Passaram-se 12 anos da apresentação de Carlinhos Brown no Rock in Rio. Estamos agora em Salvador, 28 de abril de 2013. Cerca de 28 mil pessoas marcam presença na novíssima Fonte Nova para assistir ao clásico BA-VI e celebrar a “estreia” da caxirola nos estádios. Ainda no primeiro tempo de jogo, o Vitória já estava com um placar de dois gols de vantagem sobre o Bahia, time do coração de Carlinhos Brown. Como se fosse prenunciado, os torcedores do Bahia enfurecidos arremessaram sem parar caxirolas para dentro do gramado. A criação do cantor brasileiro se tornou vilã naquele domingo.

“Não adianta gostar de nada quando é ignorante, quando não tem juízo, quando não pensa, quando não raciocina” (Carlinhos Brown sob intensa vaia no Rock in Rio 3)

Carlinhos Brown anunciou, naquela noite de 2001, como seria a mentalidade de um torcedor fanático do seu próprio clube, doze anos mais tarde.

O cantor foi desrespeitado no Rock in Rio, mas cá entre nós, este desrespeito não começou com o público, mas com a organização. Escalar Carlinhos Brown e Guns’n’Roses na mesma noite de um festival é como escalar um time com quatro volantes, simplesmente não dá.

Nada justifica os dois atos, a boa e velha vaia já basta. Mas o segundo caso é mais feio. Gastamos (sim, nós, com dinheiro público) bilhões para construir arenas ultramodernas que sediarão dois ou três jogos na Copa do Mundo cada e continuamos agindo como trogloditas. É uma atitude ridícula de um povo inconsequente. Porém, parafraseando Monthy Python, – “always look on the bright side of life” – graças ao incidente, a Fifa e o Comitê Organizador Local da Copa proibiram a utilização das caxirolas nos estádios durante a Copa das Confederações. Nossos ouvidos agradecem.

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