E o Brasil, hein?

Quando o Brasil perdeu para a Alemanha e entregou a taça, o jogo e a copa eu escrevi um texto extremamente pessoal. Era sobre como eu me sentia. Sobre a humilhação que pairava dentro de mim, o sentimento de derrota escancarada e encravada nos corações dos brasileiros, a angústia de acordar no dia seguinte com um sonho adiado. Escrevi esse texto porque eu precisava desfazer esse aperto no meu coração. Como David Luiz assim pronunciou, nós só queríamos ser felizes com o futebol. Queríamos levantar a taça mais uma vez. Crianças torciam para presenciar uma cena inédita e histórica na vida delas. Nós só queríamos comemorar e fazer jus ao país do futebol.

Mas guardei-o. Deixei o texto escondido em meio a pastas e documento do meu computador. Remexi o quanto pude, vasculhei letras, frases e fonemas. Não dava pra escandalizar minha tristeza assim. Era demais para um jogo de menos. Então resolvi esperar para escrever algo melhor. E hoje, pela manhã, enquanto caminhava para Universidade, a única coisa que pensava era:

“Espero que ninguém se dirija até mim para falar sobre a copa, o jogo, a derrota ou sobre o Brasil. Ninguém!”

E assim segui. Mentalizando outros assuntos para não sentir, novamente, o coração apertar. Parece fútil, parece demais, parece exagerado. Mas é tradição. É amor por essa tradição. É esperança de que isso tudo oxigenasse a alegria do povo.

Quando cheguei à parada de ônibus, ainda muito cedo, já havia uma senhora em pé. Como o perigo ronda o meu bairro, fiquei ao lado dela pra não ficar sozinha a mercê de ladrões. Quando me acomodo e respiro fundo pra enfrentar mais um longo dia, a senhora – diga-se de passagem, nunca trocamos mais de duas palavras – olha pra mim e solta essa:

“Mulher, e o Brasil, hein?”

Foi então que a palavra Brasil me tocou de uma maneira diferente. Tocou na alma de uma Nação que, embora nunca se prive de suas emoções em partidas de futebol de eventos como esse, se faz maior. Maior e mais preocupante. Preocupante e até assustadora. Brasil não é somente minha Seleção. Mas é ela e um povo inteiro, torcedor e cidadão. Foi a partir daí que eu pensei em responder:

Senhora, o Brasil navega a esmo. Não há projeto para nada importante. Os políticos adoram um samba e dançam na nossa cara com um salto agulha tamanho 15. Está difícil! Brasília é palco das maiores barbáries de ladrões poderosos que se vestem de terno e gravata. Estou aqui com medo de levarem mais um celular meu, mas tem gente lá no Palácio do Planalto nos roubando nesse exato momento. Pois é, acredita nisso? Essa passagem, por exemplo, que a senhora vai pagar nesse ônibus que está vindo… Precisava ser tão cara? E os motoristas mereciam ganhar tão pouco? Pior: e essa lotação que encontraremos ao subir os degraus do transporte coletivo, é o que o merecemos? Essa desordem é um insulto à população. Chegarei à minha sala de aula e, acredite se quiser, talvez nem tenha professor me esperando. Não há mais comprometimento! No caminho veremos moradias impróprias, crianças morando na rua mendigando algum dinheiro e um trânsito insuportável nas avenidas. Dentro do coletivo, segure a bolsa da senhora. Puxe-a pra frente do corpo e esconda seu dinheiro. Nunca se sabe quando o ônibus será invadido por bandidos e nossos pertences roubados. Ao descer, todo cuidado ainda é pouco. Caminhe com atenção até o seu trabalho. Olhe muito bem para os lados e para trás. A senhora pode ser surpreendida com algum pivete de faca na mão. O problema? É, ele não estudou. O governo não deu subsídio pra isso. Esqueceu-se das nossas crianças, dá pra aceitar isso? O futuro do nosso país foi abandonado. Aí então eles crescem e encontram no crime a saída ou para pôr dinheiro em casa ou para sustentar os seus vícios que lhes foram entregues de bandeja. Saúde? Não, não. Eu sei que a senhora não espirrou. Eu que estou procurando por ela. Os atendimentos públicos são tão precários que a gente até desiste de tratar algum problema. Tem gente morrendo nos corredores dos hospitais enquanto os médicos estrangeiros que para cá vieram estão lavando suas mãos e dando o pé. Nem eles aguentam o descaso com a medicina, com a saúde e com o profissional. Fazem bem! Serão valorizados como merecem. O Brasil tá desse jeito, senhora. É humilhante também. Em outubro tem um evento chamado Eleição. Conhece? A gente vai escolher um representante para o nosso país. Olha só a responsabilidade, hein? Lançaram uma campanha com a hashtag #vempraurna. A senhora vai? Eu vou. É a única forma que eu encontro de tentar mudar um pouco essa baderna. E se me deram voz pra isso, eu preciso gritar. A nossa Seleção? A nossa Seleção não tem culpa não, moça. A Copa também não. Algum país teria que sediá-la e escolheram a terra que recebe como título o esporte em questão. Sim, senhora! Era, sim, uma verba suficientemente necessária para tirar um dos pés da lama. Era, sim, o mínimo que uma população carente em serviços públicos merecia. Mas esse dinheiro não vai voltar. E sim, ainda temos verba para investir nos setores públicos. Não estamos falidos. Só nos falta alguém que queira ajudar o povo brasileiro. Houve muitos investimentos com o Mundial? Bilhões. B I L H Õ E S. O que mudou? Nada. Ou a senhora acha que o governo iria investir essa maleta de reais em nós? Que nada. Íamos continuar estagnados. A verdade é essa. O Brasil está assim e permanece do mesmo jeitinho de quando a Copa ainda não era evento confirmado. E se queria saber do jogo contra a Alemanha, olha, vou te contar, não quero falar sobre isso. Tô triste, tô chateada, tô humilhada, tô derrotada. Foi vergonhoso. Mas passou. É futebol. É esporte. Erros táticos acontecem. Jogadores talentosos nós tínhamos, mas não souberam usar. Portanto, senhora, ainda bato no peito esquerdo: sou brasileira. Vou lá estudar e tentar mudar um pouco essa loucura que se chama Brasil. Estou indo, mas vou trajada na camisa da Seleção.

Porém, evitei o sermão, aproveitei que o ônibus já se aproximava e respondi brevemente, com uma feição de não-queria-falar-sobre-isso:

“Pois é, humilhação, né?”