Sem o fator irônico, Fábio Porchat entrega-se de fora para dentro em Entre Abelhas

O multifacetado Fábio Porchat é nacionalmente conhecido por um dos maiores canais da internet atualmente, o Porta dos Fundos. Mas, erroneamente, temos a cultura estereotipada de atribuir apenas o viés cômico de certas personalidades, esquecendo que o poder de uma atuação também implica passagens por inúmeras vertentes. No seu primeiro drama, “Entre Abelhas”, Porchat mostra ao público a possibilidade de um despertar mais reflexivo e filosófico, e assim, entrega não somente algo novo, como também algo urgente e de extremo valor para o cinema nacional.

Escrito há exatos nove anos atrás, antes mesmo do sucesso comercial e dos mais variados trabalhos e exposições na mídia, o roteiro do longa é concebido pelo próprio Porchat em parceria com o também fundador do porta, o diretor Ian SBF. A jornada visual apresenta a história de Bruno, recém-separado e que, de uma hora para outra, simplesmente começa a deixar de ver as pessoas ao seu redor.

Fábio Porchat - cena de Entre Abelhas - 2015 (2)

A premissa, que para muitos, pode vir a soar como enfadonha ou disfarçada de mais uma comédia visando angariar fundos, na verdade vai além. O drama revestido de tragicomédia implica questionamentos humanos e transmite sentimentos angustiantes relacionados à perda das importâncias, ou rasgadamente, da cegueira social na qual nos encontramos diariamente.

Ian SBF, embarca na direção de forma sublime, tendo como alicerce a belíssima fotografia de Alexandre Ramos. Somado à trilha sonora pertinente, urgente e acima de tudo, necessária para a fluidez de “Entre Abelhas”, a composição das versões vivenciadas pelo protagonista dão o tom pensativo, sugado por mutações onde um homem descobre a solidão da pior forma possível. A solidão sem nome, partindo do princípio fundamental de conviver consigo. Sem muletas emocionais.

Fábio Porchat - cena de Entre Abelhas - 2015 (1)

Sem esquecer-se de pontuar cenas cômicas, até mesmo por uma questão de público – já que é complicado e adverso fazer cinema no Brasil sem mesclar gêneros, pois preguiçosos em relação a nossa própria cultura, os espectadores brasileiros ainda pouco ousam quando lhes é dada uma oportunidade de consumir algo diferente dos blockbusters. É normal, mas discutível. Ainda assim, este é um assunto mais denso para ser refletido.

Fato é que “Entre Abelhas” figura dentre uma das melhores estreias do ano, além de ser um oásis legítimo no cinema nacional, reconhecendo ser possível aliar qualidade e entretenimento em grande escala. Talvez seja meramente uma questão de olhar para os lados e perceber que existem outros rostos, outras estórias e discursos a serem observados. Para não deixarmos de enxergar e, quem sabe, para diminuirmos a solidão que assola os dias presentes, mesmo mediante tantas informações e cores espalhadas do lado de fora das janelas.