Palavras soltas em um bar

Talvez não fosse um bar o ambiente mais propício para uma entrevista, mas tratando-se de Xico Sá não poderia ser diferente. Numa conversa descontraída entre amigos jornalistas e cerveja gelada, Xico Sá falou da vida e da carreira. Sorriu, brincou e desabafou sobre o futuro. O cearense não deixou brechas sobre a sua crença no jornalismo literário como a última semente a ser plantada. Mas ao mesmo tempo se rendeu completamente à tecnologia e a praticidade.“Sou um aviciado”, confessou, em tom de chiste. Não à toa, hoje, Xico Sá é admirado também no Twitter e Facebook.

Francisco Reginaldo de Sá Menezes foi colunista do Jornal A Folha de S. Paulo e fez parte da bancada do programa Cartão Verde, da TV Cultura. Ainda na televisão, o jornalista integrou o programa Saia Justa e atualmente faz parte do programa Amor e Sexo e Papo de Segunda. É também comentarista dos programas Extra-Ordinários e Redação SporTV, além de escrever para o jornal El País.

Xico Sá, autor do romance “Big Jato” e de “O Livro das Mulheres Extraordinárias”, esteve presente na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) entre os dias 9 e 12 de junho de 2015, para participar da 3ª Semana de Jornalismo Vladimir Herzog, mesmo em meio à greve das universidades públicas brasileiras que tomou quase todo o primeiro semestre do ano. 

Xico Sá

DF: Quando tudo começou na sua carreira profissional?

XS: Pra valer mesmo, foi quando eu cheguei no Recife. Quando eu saí do interior eu já tinha muito em mente ser escritor, tinha a literatura na cabeça. Eu já sabia que ser jornalista era/é difícil, então ser escritor não existia. Não era palpável. No Recife, com 16 anos, eu já nutria uma convivência com jornalistas, essa boemia já me cercava. Foi nesse momento que eu fui para o jornalismo e não teve mais volta.Vivi o tempo inteiro no conflito entre literatura e jornalismo, um tomando o lugar do outro, até que juntei os dois em 1999/2000.

DF: Quais influências fizeram você se tornar o profissional múltiplo que é hoje?

XS: Foram os livros. São os autores que vão moldando. É mais influência da literatura do que do jornalismo. As referências são muito mais dos autores que eu li, como Hunter Thompsom, Truman Capote, João do Rio, Lima Barreto, pessoas que para mim fizeram jornalismo literário. Na geração dos anos 70, que fazia literatura muito influenciada pelo jornalismo, destaco RubemFonseca, Inácio Loiola Brandão. A boa culpa é dos livros.

QO: E essa sua aproximação com o feminismo, como você explica?

XS:Eu encontro essa resposta na figura da minha mãe, uma conselheira amorosa. E eu vejo muito, até hoje, no jeito que eu escrevo sobre esse assunto, o jeito dela aconselhando as amigas. Mas já no Recife, eu tive uma primeira colaboração com esse assunto numa rádio do Juazeiro do Norte. Um vizinho meu tinha um programa chamado Temas de Amor, sobre aconselhamento amoroso, então ele me mandava as cartas dos ouvintes e eu os respondia.

DF: Até que ponto você acha que o Jornalismo de H. Thompson pode influenciar no sustento do jornalismo impresso?

XS: Eu acho que há uma resistência sem fim do jornalismo impresso no Brasil a qualquer inovação de narrativa. O Gonzo é utopia. Já o Literário é uma resistência quebrada, um jornalismo teimoso. Ainda assim, eu acho que a partir de agora a salvação seria esse tipo de novidade. Encontramos experiências literárias na revista Trip e na Revista Piauí, exemplospontuais. O Jornal da Tarde (SP) fez muito jornalismo literário nos anos 70 e 80, mas foi pouca coisa. Eu acho que não morre nunca esse tipo de narrativa jornalística, é um traço muito forte.

DF: Seria o caso de reestruturar os antigos jornais para novas narrativas?

XS: Eu acho que é a hora de usar esse recurso do literário como atrativo para leitores que já largaram o impresso.Quando eu defendo o jornalismo literário é nesse sentido de achar que é um jeito melhor de começar o texto.Ser romântico no impresso não significa achar que tudo diferente do literário não vale nada, pelo contrário, eu acho que é desafiador, muito inteligente. A crise é mais sofisticada do que a gente imagina. Mas o negócio mesmo é em cima do jornal impresso. Quem passa mesmo a cabeça na forca é quem faz um jornal por dia. Ao invés de beber por mulheres, a gente vai beber por perda de jornal.

DF: O que falta para o jornalismo brasileiro alcançar isso?

XS: Eu acho que o problema é essa teimosia em não fazer alteração nenhuma nos jornais. O que eu vejo muito agora é a preocupação de ligar o impresso ao online. Essa gambiarra não funciona. Já que o jornal chega velho, colocam todos os assuntos no primeiro caderno. E acho que estão esquecendo o principal, que é chegar na página 2 e já ter uma boa história sendo contada. Eu tentaria a narrativa mais solta. Mas não vai morrer a escrita, não vai morrer a grande história contada, seja no romance, seja no jornalismo.

DF: Os caminhos já têm sido apontados, falta talvez interesse por parte dos donos?

XS: Eu acho que falta. Todos eles têm grandes negócios na internet e a operação do jornal impresso ficou muito cara. Eu não vejo, pra valer, ninguém apostando no jornal impresso. Uma coisa seria acabar o jornal por ele ser muito ruim, mas eles têm uma desculpa histórica: chegou outra coisa e tomou o lugar do impresso.

DF: O que você consegue ver no jornalismo impresso daqui a dez anos?

XS:Talvez o velho Gutemberg vá ficar para os livros, dossiês, revistas mensais, lendo o mundo inteiro naquele mês. Eu não gosto nem de ouvir que o jornal vai acabar. Eu acho que não vai acabar, eu não acredito só nesses cinco anos. Se puder escrever em algum canto está bom pra mim.

DF: Como você interliga o futebol, a literatura, o jornalismo, o feminismo? Em que ponto tudo isso se funde?

XS: Eu acho que no contador de histórias, na narrativa. Tanto me faz narrar um Santa Rita x Botafogo como narrar a posse do Collor, que eu narrei, inclusive, de uma forma literária. Não importa o assunto. Importa a narrativa forte e contar uma história. Eu acho que em tudo cabe, até a matéria mais chata do universo é possível contar de outro jeito. Pegar um personagem paralelo e a partir dele contar a mesma história com as mesmas informações ou mais.

DF: Como você vê, na sua carreira, a sua participação na televisão?

XS: Eu vejo como algo episódico. Eu achava que ia ser só um programa e eu fui ficando. A parte nobre da minha vida de jornalista será ter o direito de passar um ano para contar apenas uma história. De ir atrás, personagem por personagem, ver tardes e mais tardes as mesmas pessoas, gravar e depois recontar aquela história. E nisso eu tenho que pegar a TV para ganhar essa reserva de dinheiro, caso não tenha alguém para bancar o projeto. Eu acho que é uma coisa que eu me devo. Uma coisa que quero fazer é livro-reportagem, eu nunca planejei nada, mas isso é um plano.

DF: Qual é a sua relação com a internet?

XS: Desde o primeiro momento da internet, eu estou lá. Usava como uma máquina de escrever, sempre usando a vantagem de escrever uma coisa, de se espalhar e de ser lido por muita gente naquela hora. Eu sempre usei como um jornal antigo, era pelo poder da escrita, pela defesa do meu texto. Muito tempo depois, entrei nas redes sociais. Apesar das loucuras e das incompreensões, eu sou viciado. Hoje eu sou um velhinho aviciado.