Estão rindo da gente nesta fábrica de mentiras

Por que acreditamos em tudo que é compartilhado na internet? Por que – sobretudo nós, que trabalhamos em comunicação – nos preocupamos tanto em noticiar o novo, independente de sua veracidade duvidosa? E, por fim, por que somos trollados com tanta frequência em dias atuais?

1. A tecnologia tem nos mostrado a cada dia que quase tudo é possível

Quem, há 20 anos atrás, imaginaria que a função que menos utilizamos em um celular é a de chamadas telefônicas? Quem imaginaria que seria possível conectar o mundo inteiro por meio de apenas uma plataforma? Eu poderia passar algumas boas horas aqui só fazendo um brainstorm de coisas que são cotidianas hoje, mas que limitavam-se à ficção em um passado bem recente.

Como dizem por aí, “a vida imita a arte”. Então não é incomum que uma boa parcela de dispositivos eletrônicos e possibilidades que hoje temos, existam graças à literatura, cinema, quadrinhos et caterva. A ciência e a pesquisa complementam ao desenvolver o que a arte imagina. Não é uma regra, mas é um conceito que deve ser levado em consideração.

E com a tecnologia caminhando a passos mais rápidos que a própria humanidade, é praticamente irresponsável falar que algo seja impossível de ser desenvolvido. IMHO, não há limites para a criação humana. O impossível de hoje pode ser o produto de amanhã. E, com absoluta certeza, não sou o único a pensar assim, caso contrário este texto não faria sentido e os exemplos que trarei abaixo não teriam sido disseminados com tanta repercussão entre as pessoas.

2. Likes e Shares: Um termômetro social

1982151_723445311020712_1606731438_n

Ze Frank , vice-presidente de vídeo do BuzzFeed, foi um dos debatedores do SXSW deste ano. Em um dos painéis, citou três motivos que fazem com que as pessoas compartilhem conteúdo na internet:

1) Identidade, porque algo nos representa;
2) Link emocional, porque algo nos sensilibiliza;
3) Validação social, quando a mídia reforça algo que você já acredita.

Estes são motivos que as pessoas possuem para compartilhar algo. Mas quais são os objetivos de compartilhar algo? Por que mostrar alguma coisa que, na maioria dos casos, não é para alguém em especial, mas para toda uma rede de contatos?

Vou citar outra pessoa que manja do assunto: David Baker, escritor, consultor em tecnologia e ex-editor da Wired inglesa. Em entrevista ao Don’t Touch My Moleskine, mostrou um conceito mais completo:

É realmente excitante quando as pessoas dão like em alguma coisa que nós postamos. É como ser um ator em um filme, é como se fôssemos famosos. Tem uma platéia ali, de maioria de pessoas desconhecidas. “Estranhos gostam do que eu digo? Que bom!”

Já pararam para pensar que muitas coisas só existem porque estão na internet? Ou assim parece ser? Virou um dito popular a máxima “só é real se tá no feice”. O melhor e mais prático exemplo disso tudo são os relacionamentos. Para você, quando um casal está em um relacionamento sério? Quando eles decidem isso ou quando eles atualizam seus status?

O jornalista norte-americano Paul Miller fez uma experiência bastante extremista e ficou fora da internet durante um ano. Ele contou como seu relacionamento com o mundo mudou, sobretudo socialmente. No momento em que estou escrevendo este texto, estou completando (apenas) três dias com meu perfil do facebook desativado. Não tardará para que eu volte, mas é uma despoluição necessária. Acredito não ser o único ser do planeta que, durante bloqueios criativos, apelava para o feed do facebok, com a inócua esperança de que algo interessante acontecesse naquele dia de completo tédio. Troquei o F5 por caminhadas, cafés, leituras, violão e conversas pessoais com os amigos. Não sei até quando, mas a ideia é, assim que eu reativar o perfil, passar menos tempo em um lugar onde todo mundo é especialista sobre tudo, ou ainda, um lugar onde qualquer pessoa que não concorde com alguma ideia que alguém escreva é um perfeito idiota, ou ainda, a maior plataforma de compartilhamento de desinformação que o homem já criou, depois da desciclopédia. Talvez o que não faça com que eu me sinta um alienígena hoje seja o whatsapp. E o twitter, claro, caso alguém lembre dele.

É serio! Compartilharam no feice!
É serio! Compartilharam no feice!

Voltando ao assunto. O que importa, no fundo da alma, é o quão bem você se sente quando experimenta algo e não quantos likes a atualização dessa experiência irá gerar. A grande sacada do Zuckerberg foi quantificar estes sentimentos. Foi fazer com que todo mundo saiba quando mandou bem ou quando mandou mal nas postagens. E quanto mais as pessoas curtem o que escrevemos, mais queremos compartilhar. É um vício.

É possível ter jogo de cintura. Compartilhar é legal, mas ninguém quer saber o que você come no almoço todos os dias. Se você assistiu ao grandioso filme “Na Natureza Selvagem” deverá se lembrar da citação “happiness only real when shared”. Mesmo não tendo assistido ou lido o livro ou o que for, é possível que já tenha ouvido falar nesta frase. Isso, de certa forma, explica um pouco o motivo de tanto compartilharmos informações nas redes sociais. Mas, obviamente, Chris McCandless se referia à companhia in loco e não em atualizações de status.

Todas as reflexões acima também servem para pensar nos motivos pelo quais os sites compartilham informações duvidosas. É preciso ser rápido. Noticiar antes. O primeiro link sobre o assunto inédito será o primeiro a ser compartilhado nas redes sociais, e portanto, o fluxo de visitantes aumentará. Não importa se estagiário de advogado diz que ativista afirmou que homem que acendeu rojão era ligado ao deputado estadual Marcelo Freixo ou qualquer outra chamada sensacionalista (fiquei sem outro exemplo em mente, o supracitado é hors concours), o que vale é chamar a atenção, seduzir o internauta, implorar para que ele leia a informação, tais como vendedores no Paraguai atacam os clientes nas ruas. É preciso gritar para ser ouvido na internet.

3. Quatro hoaxes que você, viciadinho em internet e informação (como também sou), se lembrará

mattel-hoverboard-review
O Hover Board existe. E ele é assim. Não, não é preciso ter ensino superior para perceber que ele não voa.

a) Miracle Machine

Não citarei fontes, mas essa notícia saiu em vários sites que são referências pessoais. Falo de mídia séria e que eu admiro. O Miracle Machine seria uma máquina que transformaria água em vinho em apenas três dias. O milagre de Jesus Cristo finalmente seria descoberto pela tecnologia dois milênios mais tarde. Só que não. A notícia plantada nada mais é do que um viral para chamar atenção da organização Wine To Water, que ajuda a abastecer países paupérrimos e escassos de água. O slogan é poderoso: There is no life withou water. Vinho também não.

b) Livr

Uma rede social para bêbados. Funciona assim: você tomas umas e assopra em um bafômetro portátil acoplado ao seu smartphone. Assim que o álcool for detectado, você pode acessar a rede e a suas funções, que incluem descobrir bares nas redondezas onde há alta concentração de gente bêbada, telefonar aleatoriamente para alguém bêbado, entre outras. Tudo isso aliado a uma função ‘blackout’, que apagaria tudo o que você teria feito na noite anterior, exatamente como a sua memória de ressaca. Não tardou muito para que fosse comprovado que o vídeo era sobre um produto falso, feito apenas para tirar sarro da mídia que tudo compartilha.

c) Hover Board

De todos os quatro exemplos, este é o mais popular, mas que ao mesmo tempo foi visto com mais ceticismo por todas as mídias. Popular por se tratar de um objeto fetiche de qualquer fã de “De Volta Para o Futuro”. Porém, poucas horas após vazar o vídeo do skate voador, recheado de celebridades (como Moby, Christopher Lloyd e Tony Hawk), foi descoberto que se tratava de um hoax viral produzido pelo Funny or Die. A descoberta? Em primeiro lugar, por falta de cunho científico na explicação do produto. E em segundo, mas determinante, uma falha de edição de vídeo. Em certo momento da apresentação, uma sombra mostra que algo está segurando uma pessoa no ar. Dias depois, o grupo admitiu que se tratava de uma sátira. A intenção? Segundo Christoper Lloyd, a ideia é mostrar como seria interessante e incentivar que pessoas se inspirem e façam pesquisas para que o produto seja desenvolvido um dia. Justo.

d) Tubby

Quem não caiu no conto do Tubby ou não ficou sabendo ou é um ser cético-mor. Sem parecer contraditório com o assunto deste texto, o app que seria uma vingança ao famigerado Lulu, não poderia soar mais convincente. E nem mais ridículo. Foi amplamente compartilhado nas redes sociais e em centenas de blogs e sites, incluindo aqui, vamos admitir. Também pudera, depois do Lulu ser o assunto dominante na internet por reduzir mesquinhamente o ser humano a meros dados, um app similar e voltado para o público masculino não seria impossível, ainda que – faço questão de repetir – fosse ridículo. Na data de lançamento, foi confirmado que o app nada mais era do que uma grande trollagem feita por uma galera, apenas para causar pânico coletivo e dar uma lição de moral de ensino médio.