BE: Um Beady Eye mais psicodélico

Capa de BE

Um bom álbum não é aquele que se gosta de primeira. Uma boa música sim, mas o conjunto da obra não. Não é via de regra, mas tem sido assim em 80% dos casos. Um bom álbum demora um pouco mais para ser assimilado e compreendido. Essa audição extra e cuidadosa é essencial para que seja percebida a diferença entre um álbum sólido e um álbum enjoativo.

De antemão, apresento uma exceção. Different Gear, Still Speeding, lançado em 2011 pelo Beady Eye foi um álbum que gostei de primeira e até hoje escuto, sem ter enjoado de uma música sequer. Certamente faz parte dos 20% dos casos em exceção explicado no primeiro parágrafo.

Acontece que agora o Beady Eye lançou a sua segunda obra. O trabalho posterior ao de estreia é a prova de fogo para qualquer músico/banda. A qualidade mantida no segundo disco é a prova de que a banda não é uma enganação. E BE passou no teste.

Confesso que foi necessária uma segunda e atenta audição para que o desapontamento não tomasse conta dos ouvidos, diferente do que aconteceu com o álbum de estreia. BE, que ainda não foi lançado, mas já vazou na internet, é muito menos rockeiro e muito mais estúdio do que o primeiro trabalho da ex-banda de Noel Gallagher.

Algo que move Liam Gallagher na carreira de músico é certamente tentar ser melhor que o irmão Noel. Isso explica o alto investimento para a gravação e produção de BE. É notório que o novo Beady Eye está mais detalhista, cuidadoso e comercial nesse segundo álbum.

A começar pelo novo produtor, Dave Sitek, que substituiu Steve Lillywhite. Enquanto o antigo produtor é da velha guarda do rock’n’roll, com Rolling Stones, Talking Heads e U2 no currículo, Dave Sitek é quase vinte anos mais jovem. Está na mesma faixa etária da banda e tem trabalhado com outros tipos de sons, é muito mais indie que rock. Além de guitarrista do TV On The Radio, produziu álbuns do Yeah Yeah Yeahs, entre outras bandas do cenário alternativo norte-americano e britânico. Mas não, não significa que BE seja indie. Não tem nada de indie em BE. O que prova que o novo produtor veio para somar e não para impor seu estilo.

Dave Sitek, produtor de BE
Dave Sitek, produtor de BE

O Beady Eye está menos enérgico que na estreia. Mais fino, mais baladeiro e com um pouco mais de categoria do que o primeiro álbum. Quem é adepto do rock’n’roll cheio de energia deve ficar mesmo com o primeiro disco. Já quem prefere relaxar e ficar viajando na música, BE é o caminho.

O Álbum

Capa de BE
Capa de BE

Cinquenta por cento de BE é composto por baladas, com imenso destaque para a qualidade vocal de Liam. Porém, para falar das músicas do álbum, começo pela começo, que já tem a melhor música de todas. Flick of the Finger é uma música épica. Foi a primeira a ser vazada na internet, há mais de um mês atrás. É quase que um hino, sem refrão e muito bem acompanhado por instrumentos de sopro e com uma resumida citação do filósofo Jean-Paul Marat, lida pelo intérprete britânico Kayvan Novak.

É um grito. Uma música de filme. Como diz meu amigo Guilherme, mais conhecido como “Guizado”, é a trilha sonora de uma cidade explodindo. Acrescento: Uma cidade explodindo enquanto uma nova ordem mundial emerge. “The future gets written today” canta Liam na última frase da música antes da citação surgir ao fundo. Poderia ser uma música para ambientar a explosão do parlamento inglês em V de Vingança ou algo do tipo.

Don’t be deceived when our revolution has been finally stamped out and they pat you eternally on the shoulder and say that there’s no inequality worth speaking of and no more reason for fighting. Because if you believe them they will be completely in charge in their marble homes and granite banks from which they rob the people of the world under the pretense of bringing them culture. Watch out, for as soon as it pleases them they’ll send you out to protect their gold in wars whose weapons, rapidly developed by servile scientists will become more and more deadly until they can with a flick of the finger tear a million of you to pieces.

http://youtu.be/0lMRJFZ11c0

Soul Love é uma estranha balada, daquelas que você espera que os acordes vão para um lado quando na verdade vão para outro. É já na segunda música que o Beady Eye mostra ter aprendido – e muito bem – a trabalhar com dissonâncias.

Na sequência, o Beady Eye traz uma empolgação rara no álbum em Face The Crowd, música escrita pelo célebre guitarrista Andy Bell. Certamente a música mais enérgica de BE, seria punk se não tivesse tanta firula.

Second Bite of The Apple também já foi apresentada. É o primeiro clipe, já divulgado oficialmente pela banda. Segundo Liam, essa é a música em que Sitek mais colocou o dedo. É um ponto alto de um álbum, até então, impecável.

A quinta faixa, Soon Come Tomorrow, é mais uma balada de BE, mais lenta que Soul Love e com um vocal muito mais destacado de Liam. Na metade da música, um empolgante solo de wah-wah quase à la Jimi Hendrix – perdoe-me a comparação – dá um up no clima.

Iz Rite é mais uma viajona música daquelas “bem Beatles” com um longo final e um refrão grudento saindo da voz de Liam. Impossível não grudar “Say it again” na cabeça depois de ouvir a música duas vezes. Para finalizar, quase um minuto de enrolação e psicodelia até o início de I’m Just Sayin‘, a música mais Oasis que o Beady Eye já compôs. É um remember de (What’s The Story) Morning Glory?.

A balada Don’t Brother Me não esconde que foi feita para o irmão Noel, em brincadeira com a palavra “bother” (incomodar). É a música mais longa de BE, com sete minutos e meio de duração, sendo os últimos quatro minutos só de psicodelia, ou como dizem por aí, pura viagem.

Shine a Light é uma das músicas que tem um ritmo, até então, diferente para o estilo do Beady Eye. Não sei, mas algo me diz que Chris Sharrock andou ouvindo Four Sticks do Led Zeppelin antes de entrar no estúdio para gravar a percussão de Shine a Light. Palpite só.

Na reta final do álbum está a balada simplista Ballroom Figured, com Liam Gallagher cantando no ritmo de um violão acústico. E, para finalizar, Start Anew, senão a melhor, ao menos a mais bonita balada já feita pelo Beady Eye. Quando tudo parece que vai ser só mais uma música lenta, parecida com a anterior, eis que surge um interlúdio chapadão para mostrar a diferença da música. Nos segundos finais do álbum Liam canta “come on take a chance and start anew, me and you”, acompanhado de um instrumental que já cresceu e já está acompanhando a música com autêntica beleza, transformando em uma música muito mais do que uma tradicional balada com capotraste.

“É um épico: Começa como uma canção acústica e então termina como Neil Young no estádio do Boca Junior a 35°C e com fogos de artifício.” (Andy Bell sobre Start Anew)

Precisei de três vezes para dissecar bem o novo álbum do Beady Eye. Provavelmente encontrarei algo mais nas próximas audições, afinal isso é o que acontece com um disco bom. BE consegue ser comercial e ao mesmo tempo ter um tanto de experimental e psicodélico. Diferente de Different Gear, Still Speeding, que é mais rock’n’roll e mais homogêneo. Fica a critério de vocês elegerem o melhor. Pode até ser empolgação momentânea, mas enquanto o encanto não acabar eu fico com o BE. Cheers!

Chris Sharrock, Jay Mehler, Andy Bell, Liam Gallagher e Gem Archer
Chris Sharrock, Jay Mehler, Andy Bell, Liam Gallagher e Gem Archer

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