O meu chá das 4 com o Iron Maiden

A música é capaz de instaurar um grau de fanatismo por certos atos que pode beirar à cegueira de uma seita religiosa. Os riffs podem instaurar uma paixão sem precedentes frente aos ouvidos sedentos por volumes exorbitantes… É como juntar o útil ao agradável, a fome com a vontade de comer alguns diriam.

Mas confesso que mesmo com alguns bons anos acompanhando as caravanas de turnês São Paulo afora e adentro, que nunca encontrei nenhuma banda com uma base de fãs tão fiéis quanto a que o Iron Maiden possui.

É impressionante que até o comportamento da malha de apaixonados pelo bando de Steve Harris & cia é diferente. No lugar de ficar gravando cada segundo do show, o público canta todas as letras em uníssono. Prezando pelo zelo e a ordem, muitos preferem não se matar no bate cabeça e apenas almejam localizar um ponto estratégico do estádio, só para não perder nenhum detalhe de uma parede instrumental quase intransponível e magnifíca.

De fato, são muitos os detalhes que fazem do show do Iron uma experiência única. É interessante notar também que 90% da platéia conversa sobre os shows passados. Muitos deles já viram a banda em mais de duas ou três oportunidades. Eles conhecem a história, dominam o assunto e não o fazem por puro e simples modismo, o dogma deste epicentro de New Wave Of British Heavy Metal vai muito além disso.

Só uma banda tão grande e com uma discografia deste porte pode nutrir tanta febre. E em tempos onde a indústria fonográfica registra quedas e mais quedas no volume de vendas, ver que o sexteto ganhou mais um disco de platina no Brasil com o exuberante ”The Book Of Souls” (décimo sexto disco de estúdio lançado ano passado), só mostra como os caras mantém o bom trabalho e como os gritos de ”Olê-Olê-Olê-Olê: Maiden-Maiden”, não são meramente ilustrativos, o sangue da donzela ainda carrega muito poder.

Só que antes de mais um cálice do mais puro Heavy Metal, os 42 mil pagantes presentes no Allianz Park começaram a passar por mais um batismo de fogo ao som da primeira banda de abertura, o The Raven Age, grupo do filho do baixista Steve Harris, o herdeiro George Harris.

E foi com muito vigor que o quinteto emulou seu competente Metal melódico, enquanto o pessoal se apinhava, ali, ligeiro, pra ficar na bota do show do Anthrax, entidade americana que surgiu logo na sequência e tratou de traçar uma excelente apresentação e eliminar qualquer tipo de dúvidas sobre o seu posto no chamado Big Four dos headbangers profissionais.

Foi com muito entrosamento e inspiração, que a banda liderada pelo guitarrista Scott Ian, colocou o público no bolso, e ainda o fez com a crueldade dos antigos standards do grupo (como ”Medusa”) e outros temais mais recentes, advindos de ”For All Kings”, o elogiado décimo primeiro trampo de inéditas do complô de Trash Metal made in Nova York.

Foram dois shows bastante compactos, mas muito vibrantes e certeiros. As duas bandas ficaram no palco por cerca de 45 minutos (com direito até a participação de luxo de Andreas Kisser no fim do show do Anthrax), e depois que Joey Belladonna se despediu (após mais uma excelente performance vocal) era o momento do ultimato: o Iron entraria em cena, era só questão de tempo até o Eddie lançar o avião da banda rumo ao palco de mais uma gloriosa noite.

Foram mais de duas horas de show, e não importa o quão preparado você saia da sua casa. Não interessa se esse é o seu primeiro ou décimo show do Iron…. Você vai sair embasbacado de qualquer maneira e, para cumprir tabela, eu fiz questão de sair perplexo.

É engraçado que nessas listas de melhores guitarristas de Metal pouca gente dá a devida moral para o Dave Murray, Adrian Smith ou o Janick Gers (talvez o menos celebrado do trio). Mas o que esses caras tocam ao vivo, a perfeição, a naturalidade, os malabarismos e os fantásticos solos. Não seria exagero dizer que no dia 26 de março eu vi 3 dos maiores solistas do som pesado.

Foi muito bom também sacar os temas do disco mais recente e ver a exatidão com a qual todos estavam tocando. As guitarras especificamente travaram verdadeiros duelos épicos, mas em nenhum deles tivemos um vencedor, a não ser o público é claro, que entre temas sinuosos como o single do disco mais recente (”Speed Of Light”) e os devaneios progressivos de ”The Red And The Black” ficou absolutamente arrebatado pela beleza das passagens instrumentais.

Mas não é só por um grande trio de guitarras que o Maiden é formado. No baixo, a vitalidade que Steve Harris demonstrou foi impressionante. O baixista corria o palco todo, sempre cavalgando no groove com uma precisão cirúrgica, enquanto a bateria de Nicko não dava descanso para o caminhar do grave e mostrava uma pegada que deixa muito moleque de 20 anos no chiinelo.

Mesmo que você nem goste tanto de Iron, rapaz, recomendo fortemente que chegue junto no próximo show e veja com seus próprios olhos, tudo que esse texto visa relatar. Infelizmente algo sempre se perderá, não importa o quanto eu escreva, mas santa traquéia Batman, o que o Bruce Dickinson está cantando é um absurdo, e ouvir todos esses clássicos do lado de meus iguais, mesmo que pela terceira vez, foi uma sensação única, mais uma.

Parecia que por pouco mais de duas horas eu tinha 10 anos novamente e estava sentado no chão do meu quarto de frente para o rádio Toshiba que eu tinha, e que sempre que possível, tocava o ”Fear Of The Dark” no volume mínimo: o máximo.

Aqueles coros que arrepiam. Uma dúzia de riffs que entram pela veia e batem mais que glicose. Uma paixão que nunca para de pulsar e que, contrariando todas as estatísticas, só aumenta. Isso é Iron Maiden, esse é o legado, e para variar foi a tônica de mais uma belíssima passagem por nosso país. Excelente é pouco, eu diria que foi padrão Iron Maiden, foi do do cacete!

Set List:
”If Eternity Should Fail”
”Speed Of light”
”Children Of The Damned”
”Tears Of A Clown”
”The Red And The Black”
”The Trooper”
”Powerslave”
”Death Or Glory”
”The Book Of Souls”
”Hallowed Be Thy Name”
”Fear Of The Dark”
”Iron Maiden”

Bis:
”The Number Of The Beast”
”Blood Brothers”
”Wasted Years”