Carbono somos nós: desmistificando o novo álbum de Lenine

Lançado no dia 30 de abril deste ano, o disco “Carbono” do músico pernambucano Lenine é mais uma obra de arte do mestre, que possui, entre outros sucessos, as músicas “Hoje eu quero sair só”, “Paciência” e “É o que me interessa”.

O gancho dessa vez é um elemento químico, pensado em virtude da formação de Lenine, que estudou os primeiros semestres de Engenharia Química. Na natureza, o carbono forma alguns dos compostos mais importantes para a vida vegetal e animal. No disco, o carbono representa o que é essencial para viver, as relações humanas e muitos outros significados, como afirmou o próprio músico em entrevistas.

lenine 1

Ligação covalente

O carbono possui duas propriedades importantes que o fazem ser tão estudado na Química. Uma delas é a alotropia, capacidade de formar substâncias simples diferentes, como o diamante e o grafite. A outra é a ligação covalente, que ocorre quando o carbono compartilha seus elétrons com os elementos que possui afinidade eletrônica.

Se levarmos isso para o dia a dia, podemos concluir que todo mundo possui um pouco da habilidade de se transformar, dependendo das circunstâncias do meio e dos parceiros. Esse disco do Lenine, aliás, só é desse jeito, porque conta com parceiros musicais de primeira qualidade, que estiveram em trabalhos anteriores, como Nação Zumbi e Marco Polo, além dos novatos em parceria Carlos Rennó e Dudu Falcão.

Na música “Castanho”, que abre o disco, Lenine entoa “O que eu sou, eu sou em par. Não cheguei sozinho”. Tais versos podem ser interpretados como metalinguísticos, já que o músico sempre convida músicos renomados para dividirem suas experiências nos discos e shows, da mesma forma que mostra a importância das relações humanas para conseguir ser, estar e viver.

“Do ser ao pó, é só carbono
Solene, terreno, imenso
Perene, pequeno, humano”
(Trecho de “A causa e o pó”)

lenine - carbono

O disco

O disco “Carbono” tem 11 canções e foi composto em apenas dois meses. Conhecido pela ousadia e brilhantismo, Lenine lançou o álbum no mesmo dia que abriu a turnê no Sesc Pinheiros. Provavelmente, grande parte dos fãs que foram ao show não teve tempo hábil para aprender as novas músicas, mas tiveram a chance de presenciar o mestre se entregando no palco – mais uma vez.

Para o músico, que tem mais de 30 anos de carreira, o disco e o show são experiências singulares. Nas apresentações, nem sempre podem estar presentes músicos que participaram da formulação do álbum, mas isso não desmerece o espetáculo. Lenine é daqueles artistas que não abrem mão de cantar e tocar ao vivo, sem o auxílio de gravações, para poder transmitir a sua música com mais verdade a quem admira seu trabalho. Isso faz dele um mestre; e do público, espectadores privilegiados.

lenine 3

Leão do Norte permanece acordado

Apesar de a maior parte do novo disco ser bastante diferente de tudo o que Lenine compôs até agora, o músico mantém a influência da cultura pernambucana latente também nesta obra. Não é apenas o sotaque nítido e o timbre forte que chamam a atenção do público, há ainda referências de sua terra natal que tornam as músicas mais interessantes.

A faixa “À meia noite dos tambores silenciosos”, por exemplo, recebeu toques de maracatu, ritmo bastante comum em Pernambuco durante o Carnaval. A ancestralidade, que é tema recorrente das religiões típicas do Nordeste, também está presente na letra desse poema-canção.

Talvez “Carbono” tenha sido apenas mais uma oportunidade para Lenine manter a ligação covalente com outros músicos brilhantes. Mas para o público esse álbum vai além e pode ser interpretado como uma forma de se encontrar. Os versos podem se referir ao músico e serem incorporados às nossas vidas, por tratar de lutas diárias e nosso poder de estarmos sempre conectados – com os outros e com nós mesmos – como um elemento químico chamado carbono.

“Eu sei de todo caminho que andei
Sou feito de barro batido e berro
Sempre topei com madeira de lei
A ciência já me fez cupim de ferro”
(Trecho de “Cupim de Ferro”)