“Não houve lacuna, mas excesso”

Parece que encontramos um novo personagem para ilustrar a nossa Copa do Mundo – a corretamente chamada Copa das Copas. Como se não bastasse os milagres que andam acontecendo em campo, a maestria de muitas seleções e a surpresa de outras mais, o jogador Luis Suárez resolveu deixar seu nome gravado na memória dos brasileiros e no ombro do zagueiro italiano Giorgio Chiellini.

Tendo realizado essa cômica loucura outras duas vezes, desde 2010 quando atuava no time holandês Ajax, o atacante já poderia ter aprendido com seus erros. Mas não foi o que aconteceu. Nos casos anteriores, Suárez também recebeu a suspensão de sete e dez jogos, respectivamente em cada caso. Por que agora sua punição merece tanta severidade? Além de estar impedido de participar de nove jogos pela seleção Celeste, desta vez o jogador também foi proibido de fazer parte de qualquer atividade que envolva o futebol durante quatro meses. E mais: uma multa de aproximadamente 250 mil reais foi posta em seu nome. Sua credencial foi cassada e o jogador está simplesmente proibido de presenciar qualquer acontecimento que envolva a seleção uruguaia. A decisão da FIFA não recai apenas sobre Luis e este é o primeiro ponto que supõe como exagero a punição imposta pela entidade. Tendo em vista que o jogador foi um grande desfalque no último jogo do Uruguai no Mundial, todos da equipe técnica assim como também os jogadores da seleção sentirão sua ausência em jogos previstos para o time. A punição foi individual, mas toda a equipe sentiu o peso.

Além disso, particularmente para um jogador de futebol, passar tanto tempo fora de contato com o seu time é extremamente prejudicial a sua carreira profissional, além de também ser um martírio pessoal. Para Suárez voltar novamente a atuar no time do Uruguai, todo o seu entrosamento e preparação terão de ser reestruturados e recuperados. E apenas em outubro é que poderá retornar ao Liverpool.

2014-727875110-20140626110702127rts.jpg_20140626

Casos muito piores já passaram impunes pela FIFA. A pressão popular, o histórico já muito marcado do atacante e o evento mundial de grande repercussão foram pontos essenciais para chegarem a alguma definição. Por reclamações também italianas, a FIFA acabou por aplicar ao jogador a punição mais severa de todas as Copas do Mundo, esquecendo que das outras duas vezes Suárez também já havia sido autuado como deveria. O que vejo é que outras atitudes realmente violentas passam despercebidas pelos árbitros das partidas e pelas câmeras dos estádios. Por ser algo incomum, a mordida durante o Mundial causou uma comoção generalizada, porém, atitudes racistas, por exemplo, são desprezadas e esquecidas facilmente. O uruguaio age por impulso e sua atitude me parece muito mais um problema psicológico não enfrentado na infância do que uma ação propositalmente agressiva numa partida de futebol, até porque o jogador sempre se recupera muito bem de suas suspensões, voltando aos gramados melhor do que saiu. Esperamos que desta vez não seja diferente.

Não julgo injusta a punição a Suárez. Pelo contrário, ela tinha obrigação de existir. Mas o seu grau ultrapassou os limites do que é justo. Como Machado de Assis assim escreveu, eu diria que “não houve lacuna, mas excesso”. A própria “vítima”, o jogador italiano Chiellini, considerou a punição exagerada e disse depositar todo o seu pensamento no atacante e em sua família. O jogador Lugano, zagueiro do Uruguai, falou sobre o fato e citou exemplos de atitudes com uma gravidade superior a mordida e que sofreram penalizações até mesmo ridículas, se comparadas as que foram impostas ao jogador da Celeste.

 

 

Se retrocedermos a um fato ainda recente, e embora não se associe diretamente ao caso do famoso Luisito, o acontecimento que deu início a campanha “somos todos macacos” passou impune por todas as corporações do futebol. É sabido que a ação foi praticada por um torcedor que assistia ao jogo no estádio, porém, torcedores também podem ser devidamente punidos. Qual a diferença? É clara. O insulto a Daniel Alves foi praticado em um jogo do campeonato espanhol, o que nem de longe se compara a Copa do Mundo em questão de representatividade. A pressão começa a diminuir a partir do momento em que o próprio evento não acarreta tamanha visibilidade e tantos questionamentos. Pareceu-me também que o simples fato da campanha ter sido iniciada fez com que a resposta ao torcedor já estivesse sendo dada pelos internautas. E que isso bastava. O ato racista é tão violento quanto a mordida de Suárez. Essa questão afeta muito mais que uma marca no ombro, no braço ou no pescoço. É uma marca psicológica que há muitos anos tentamos combater. E que não recai apenas sobre uma equipe, mas sobre um povo inteiro, uma nação já constantemente calejada pelo preconceito racial. Isso não merece punição? Ana Bock, professora da USP – SP, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo dá a sua declaração:

“A mordida não é mais violenta que outros atos, como um tapa ou até mesmo um xingamento. Talvez seja só mais incomum.”

Dá uma chance, FIFA! Ele já pediu desculpas ao coleguinha publicamente, que também já as aceitou prontamente, inclusive demonstrando apoio ao jogador e sua família. Faltou um “não” ao Suárez quando criança e, de repente, ele está aprendendo tudo agora.