Narciso e os Espelhos Sociais

Diz a lenda que Narciso era um jovem muito belo mas que não se sentia atraído por ninguém. Um dia ao debruçar-se sobre o lago apaixonou-se pela própria imagem. Não conseguiu mais parar de olhar seu reflexo e acabou morrendo assim.

Em tempos de mídias sociais multiplicamos nossa imagem em sofisticados espelhos. Nossas fotos povoam o facebook e instagram, nossos comentários e opiniões espalham-se pelo twitter e outros programas de mensagem instantâneas.

Nossos diários ocupam blogs, qualquer vídeo pessoal pode chegar ao youtube ou celulares e alcançar milhares ou milhões de pessoas.

Já compartilhamos álbuns e imagens pessoais mais na web do que na vida real. Como se nos dividíssemos em múltiplas personalidades.

O que sobra da identidade original de alguém que a torna pública e cuja vida digital ultrapassa a real?

Quem domina o verdadeiro alter ego? Como concorrer com avatares de centenas ou milhares de amigos e relacionamentos que não param de crescer e multiplicar?

Corremos o risco de virar celebridades de nós mesmos, cenas de uma vida irreal e da fantasia de um fã que se alimenta de sua própria imagem.

Não podemos fugir da vida digital, ela nos cerca inexoravelmente, mas precisamos também da penumbra e do silêncio, dos espaços reservados — de intimidades, dúvidas e segredos.

Digitalmente evoluímos em informação e conectividade e permanecem os desníveis sociais, políticos, econômicos. Onde fica o ponto de equilíbrio? Somos tão sociais, eficientes e interligados no cotidiano?

Espelhos podem se repetir infinitamente, uns aos outros, uns dentro dos outros. São imagens replicadas sem nada a acrescentar. Espelhos que repetem espelhos não levam a lugar nenhum.

Se não tomarmos cuidado, estes milhões de perfis e bios na web podem virar uma grande colcha de retalhos de identidades superficiais e repetitivas, voltadas para o próprio umbigo.

Nada é tão próximo quanto a vida real, o susto do inesperado, o coração que dispara, a respiração no ouvido, um frio na barriga, o corpo que sua, uma lágrima que rola, a palavra sussurrada, o toque da pele, o olho no olho que tanta coisa diz.

Precisamos dialogar e refletir sobre isso, agir de forma diferente, e não deixar Narciso submergir no lago.