Ninguém está livre da deprê

Pouco tempo após a dissolução da maior banda do mundo, John Lennon deu declarações bem fortes (como de costume) em uma entrevista concedida à Rolling Stone. Essa aqui é a melhor:

It’s no fun being an artist. You know what it’s like, writing, it’s torture. I read about Van Gogh, Beethoven, any of the fuckers. If they had psychiatrists, we wouldn’t have had Gauguin’s great pictures.

Lennon tem autoridade para falar sobre isso, mas cabe uma correção. Talvez seja legal sim ser artista, foda é ser gênio. Os pioneiros do rock’n’roll e influentes de John já não batiam bem da cabeça. Elvis Presley, Chuck Berry e Little Richard – só para citar os mais renomados – nunca foram mentalmente equilibrados, mas foram sim geniais

Genialidade e sofrimento. Um grandioso elogio seguido de um sentimento doloroso. Por que estas duas palavras se cruzam tanto ao longo da história? Escrevo após saber da última: Robin Williams, um dos gênios do cinema, suicidou-se.

Logo ele, que inspirou uma geração em “Sociedade dos Poetas Mortos”. Que fez moribundos sorrirem em “Patch Adams”. Que animou inúmeras sessões da tarde com “Jumanji”, “O Homem Bicentenário” e “Uma Babá Quase Perfeita”. E – último exemplo para não encher muito – que deu uma mijada no Matt Damon em “Gênio Indomável”.

Esse ator, referência para milhões de pessoas em todos os cantos do planeta, sofreu com a depressão. Costumamos achar que pessoas como Robin Williams possuem tudo. Fama. Dinheiro. Reconhecimento. Talento. E mesmo tendo tudo o que 90% da população deseja ele resolveu tirar a própria vida. As coisas não são tão preto no branco como parecem.

" I stand upon my desk to remind myself that we must constantly look at things in a different way”
“I stand upon my desk to remind myself that we must constantly look at things in a different way”

Uma semana antes, Fausto Fanti, gênio criativo de “Hermes e Renato” fez o mesmo. Uma morte irônica. Um humorista que se suicida poderia ser comparado a um suicida morto de tanto rir. Improvável? Sim, mas a vida provou que não é impossível.

O “Hermes e Renato” que, abrindo um parêntese aqui, foi um produto cultural que ajudou a formar o meu caráter (e da maioria de meus amigos). Falo muito mais palavrão hoje por causa desse programa do caralho. Ao mesmo tempo tenho muito mais senso de humor, principalmente por ter tido a sorte de acompanhar o programa durante a adolescência, uma fase negra para a vida de muitos. Porque nessa época, um gurizão com seus dois fios de bigode e sua voz desafinada poderia até sentir vontade de se matar depois de levar um fora da namoradinha do colégio ou de ter brigado com os pais que ~não o entendem~, mas não havia depressão que não curasse com um episódio de “Hermes e Renato”.

E um dos criadores desse programa, que fez a vida de uma galera muito mais suportável, se matou. Assim como Robin Williams. Assim como muitos outros artistas, que embora não sejam todos do ramo humorístico, foram formadores de opinião de uma legião de fãs.

“Ouvi uma piada uma vez:
Um homem vai ao médico.
Diz que está deprimido.
Diz que a vida parece dura e cruel.
Conta que se sente só num mundo ameaçador.
O médico diz: ‘O tratamento é simples.
O grande palhaço Pagliacci está na cidade.
Assista ao espetáculo.
Isso deve animá-lo.’
O homem se desfaz em lágrimas.
E diz: ‘Mas, doutor… Eu sou o Pagliacci.’
Boa piada.
Todo mundo ri.
Rufam os tambores.
Desce o pano.”

(Watchmen)

Cláudio Ricardo: o melhor apresentador da televisão brasileira
Cláudio Ricardo: o melhor apresentador da televisão brasileira

Vale lembrar que não é regra. Uma minoria dos gênios da humanidade se suicidaram. No entanto, a maioria sofreu ou ainda sofre, chorou muito ou ainda chora e, ao contrário do que as frases do facebook dizem, não concordam que ser feliz seja apenas uma questão de ser. Ninguém está livre da deprê e não é necessário ser gênio para entender isso.

Rest In Peace: Fausto Fanti. Robin Williams. Kurt Cobain. Van Gogh. Virginia Woolf. Santos Dumont. Ian Curtis. Ernest Hemingway. Marilyn Monroe. Torquato Neto. Hunter Thompson.