O que o Hip Hop pode mudar na vida de uma criança

A formação de um ser contestador começa na infância. A base dessa capacidade de enxergar tudo que nos cerca e rebater de forma pessoal, enxergando valores próprios e o que é imposto socialmente, é clara principalmente nesta fase.

Viver em uma favela impõe muitas situações que tiram a criança do conforto, como falta de estrutura básica para a prática de um esporte ou mesmo o básico para que consiga ter educação. Mas por outro lado, aproxima a criança a uma realidade que só quem vive naquele meio consegue aproveitar.

“Final da década de 80, uma criança, numa favela, a única certeza é que você vai ser nada” (Criolo)

A realidade de ser um jogador de futebol bate à porta, e quem nunca sonhou em ser jogador de futebol? Sair dali e dar uma casa para a mãe num lugar melhor. Esse sonho funciona até a hora que ele vê a realidade batendo à porta, até a hora que o dinheiro da condução é contado e o coleguinha da escola oferece um caminho mais fácil.

Essa falta de oportunidade e também o excesso de pressão sobre alguém que só deveria ter ‘coragem’ no desenho do cão na televisão, e não pra ser inspiração e cuidar dos irmãos, faz com que ele assuma uma responsabilidade que não cabe à sua idade, decretando assim uma pressa da vida para que um garoto ou garota assumam compromissos que não lhe cabem.

Encarando toda essa realidade de frente, nem mesmo um ser humano que já perdeu todos seus dentes de leite conseguiria não fugir disto.

E assim que se faz a influência que o RAP tem sobre as crianças. Mais do que um ritmo legal que faz elas balançarem a cabeça, mas um estilo musical que mexe com os seus mundos.

Sempre que se representa a infância em contato com o RAP, se representa repetindo as letras em alto e bom tom, todos os relatos saindo com raiva desses pequenos sobreviventes, sendo praticamente expulsos das bocas das crianças.

Não que as crianças devam reproduzir tudo que a RAP incita, não que a criança tenha capacidade de distinguir perfeitamente tudo que lhe chega aos ouvidos, mas ter numa roda de RAP o entretenimento que não lhe é oferecido. Para a criança é nada mais que um relato social, um pesar sendo exposto.

E nem todas as crianças que nascem na favela são necessariamente do RAP, RAP é um movimento, só se segue se você tem afinidade pelo que ele expõe.

Mas viver em uma favela te expõe absolutamente a tudo que se retrata naquelas letras e te inclui neste movimento, te fazendo viver essa vida que narram as histórias, mesmo que ainda na infância.

“Se tiver um livro para uma criança da favela ler, quem tem que escrever esses livros são os próprios pais deles” (Sabotage)

As coisas mudaram, pra melhor, mas não estão ideais. A criança não tem espaço pro lazer e para a escola. A rua ainda é a principal saída, e na rua ainda existem as mesmas tentações, menores, mas ainda presente.

E ter o contato com o RAP tão na pele induz a criança e a faz viver sob o RAP. Tendo como fundo a música, sendo em carros passando, ou como seja, a cultura musical é exposta até mesmo aos ouvidos que não querem a ouvir.

É comum ouvir o relato de que o RAP fez parte da vida de muitos, sendo palavra de consolo em momentos complicados. No radinho dentro do ônibus ou de fundo na sua quebrada, a criança engole o choro ao ouvir a realidade batendo no tímpano, mas engole o ódio e segue tentando, pois sente que ser um herói para a própria mãe é o que basta.

O RAP não é prejudicial para uma criança, a quantidade de influências musicais e de relatos sociais contidos em um único som é algo que chega a ser absurdo. Cabe aos tutores ensinarem o que na letra são metáforas e o que é relato puro.

“O quê?  Cê não dizia? Seu filho quer ser preto? Há, que ironia; Cola o pôster do 2Pac ai, que tal? Que cê diz?” (Edy Rock / Mano Brown)

Como em qualquer outra arte pura e contestadora, a interpretação é pessoal. Portanto, conter uma pessoa, principalmente nesta fase, ter preconceito com qualquer movimento artístico e proibir alguém de ter contato com aquilo é cortar qualquer gosto ou habilidade que aquele ser possa vir a desenvolver.

Emicida começando com cinco anos:

Criolo falando sobre a infância e crescer na quebrada, entrevista dada ao lado do seu pai:

Sabota falando o que o rap deve representar pras criança: