O timing e a paciência na fotografia

Aí estão duas virtudes básicas que um fotógrafo precisa possuir. Pode parecer contraditório, mas ao mesmo tempo em que é necessário uma paciência budista para esperar o momento certo, é necessário também uma ação rápida para congelar o momento tão esperado no tempo certo.

Não sou fotógrafo profissional, ma volta e meia gosto de brincar com uma câmera que, ao contrário de mim, sim é profissional. Isso me faz bem. Me faz lembrar que a fotografia vai além de um celular e uma escolha de filtros. Sem ofensas.

Por já ter esperado horas pelo momento perfeito – que apenas ocasionalmente chega – foi que aprendi a experimentar, apreciar e valorizar essas virtudes.

Duas fotos super compartilhadas em menos de uma semana exemplificam perfeitamente como isso acontece.

1. O pica-pau voando com um esquilo nas costas

O pica-pau voando com um esquilo nas costas

O raríssimo e incrível momento em que um pica-pau “dá carona” a um esquilo foi a foto que mais compartilhada na internet nos últimos dias.

A imagem foi clicada pelo fotógrafo Martin Le-May, de 52 anos, no Hornchurch Country Park, em Londres. Martin, ao Daily Mail, contou que a fotografia é apenas um hobby em sua vida. Um hobby a ser levado a sério, de acordo com o que ele contou que foi necessário fazer:

“Eu e minha esposa Ann tínhamos ido caminhar no parque. Ela nunca tinha visto um pica-pau verde e eu esperava que ela pudesse ver um […] Caminhamos por uns 20 minutos, vimos outros pássaros até ouvirmos um grito angustiante […] De dentro dos arbustos saiu um pica-pau e eu disse para a minha esposa ‘é um pica-pau verde’ […] Ele voou um pouco mais para a nossa frente e nós pudemos ver pelas árvores. Ele estava saltitando no chão de forma muito muito estranho e ainda fazendo aquele angustiante barulho.”

Foi nesse momento que Le-May notou que havia um animal nas costas do pica-pau. Le-May acredita que o pica-pau era uma presa do esquilo e que, no susto, saiu voando para tentar se salvar. O fotógrafo ainda disse que conseguiu chegar mais perto, o que fez com que o esquilo se distraísse, caísse e o pica-pau escapasse da morte.

Le-May confirmou que já fez fotos tecnicamente muito superiores a essa. Mas alguma com o mesmo teor dramático? Nem de longe. Foi um prêmio pela paciência do fotógrafo ao longo dos anos.

2. O lagarto tocando guitarra com uma folha

O lagarto tocando guitarra com uma folha

Essa foto foi feita  pela fotógrafa Aditya Permana, em Yogyakarta, Indonésia. A fotógrafa de 33 anos contou ao Daily Mail que esperou mais de uma hora para que o lagarto dragão começasse a “tocar guitarra” em uma folha. Aditya demorou bem mais do que Le-May para fazer essa foto. Ao jornal, a fotógrafa contou:

“Eu não fotografei o lagarto logo de primeira, não até ele se sentir calmo e confortável comigo ao redor. Eu notei então que ele estão como se estivesse tocando uma guitarra – e que não se mexia mais.

Gostaria de terminar esse rápido pensamento com o parágrafo inicial do primeiro capítulo do livro ‘Da minha terra à Terra’, biografia do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado. Uma leitura que eu amplamente recomendo.

Lá vai:

Quem não gosta de esperar não pode ser fotógrafo. Em 2004 cheguei à ilha Isabela, em Galápagos, aos pés de um belíssimo vulcão chamado Alcedo. Deparei-me com uma tartaruga gigante, enorme, de no mínimo duzentos quilos, da espécie que deu nome ao arquipélago. Cada vez que me aproximava, a tartaruga se afastava. Ela não era rápida, mas eu não conseguia fotografá-la. Então refleti e pensei comigo mesmo: quando fotografo seres humanos, nunca chego de surpresa ou incógnito a um grupo, sempre me apresento. Depois me dirijo às pessoas, explico, converso e, aos poucos, nos conhecemos. Percebi que, da mesma forma, o único meio de conseguir fotografar aquela tartaruga seria conhecendo-a; eu precisava me adaptar a ela. Então me fiz tartaruga: fiquei agachado e comecei a caminhar na mesma altura que ela, com palmas e joelhos no chão. A tartaruga parou de fugir. E quando se deteve, fiz um movimento para trás. Ela avançou na minha direção, eu recuei. Esperei um momento e depois me aproximei, um pouco, devagar. A tartaruga deu mais um passo na minha direção e, imediatamente, dei mais alguns para trás. Então ela veio até mim e se deixou observar tranquilamente. Foi quando pude começar a fotografá-la. Levei um dia inteiro para me aproximar dessa tartaruga. Um dia inteiro para fazê-la compreender que eu respeitava seu território.