Parece merchandising, mas é só amor

jornalismo

Quando resolvi tirar do jornalismo aquilo que há de mais humano, eu comecei a perceber que o mundo é centenas de vezes maior do que achamos que seja. Quando eu dei um passo importante na minha profissão, ouvindo pessoas que sequer são notadas, caiu em mim a ficha de que se não formos nós, grandes responsáveis pela sociedade em todos os aspectos, quem poderá tornar pessoas reparadas pela sua suposta pequenez? Foi quando eu percebi que de pequenos esses personagens reais e vivos não têm nada. Foi na grandiosidade da vida de cada um deles que eu percebi que ser humano é muito mais do que habitar o planeta Terra.

Até o momento, ouvi alguns poucos. O Donos da Rua, projeto idealizado, sonhado e colocado no papel com uma pressa de quem precisa mudar o mundo – nem que seja 0,01% dele –  é a dose de vida real que bastava. Parece merchandising, mas é só amor. Quando criamos a frase “transformando pequenos personagens em grandes memórias”, piscou uma luz na minha cabeça, depois de ouvi-los com atenção, que pequenos mesmo somos nós. Sim! Nós que não cumprimentamos o porteiro, nós que não damos bom dia ao gari que limpa nossa rua, nós que não agradecemos a alegria que pessoas nos dão sem esperar nada em troca, nós que sequer notamos a presença de seres humanos que estão ali para viver num mesmo mundo que o nosso, para habitar a mesma Terra que habitamos, logo, para serem tratados da mesma forma que queríamos.

Olhar para o lado e perceber/notar o próximo já é uma grande evolução. Contar a sua história é um exercício gratificante, mas ao mesmo tempo requer coração. E alma. E coragem. E compaixão para se aprofundar na vida de alguém que não conhecemos e, às vezes, nunca nem vimos. É preciso paciência para ouvir o que não se espera, porque estamos ali para escutar o que o outro quer falar e nunca teve espaço, para que o outro desabafe o que nunca lhe perguntaram, para, enfim, ouvirem perguntas sem um bloco de anotações para não perder os detalhes. Não queremos denunciar o descaso do sistema público, por exemplo, a não ser que seja isso que o personagem queira falar. Mas se for sobre o aniversário da filha, é isso que vamos ouvir, é isso que vamos escrever.

Porque tirar um pouco os olhos da ponta do nosso nariz não nos faz com menos personalidade ou não nos tira do nosso “eu” de verdade. O que isso nos faz é escantear um pouco a nossa vida e nos tirar de uma zona de conforto para uma zona de perigo emocional. É na poesia da vida de outras pessoas que a gente encontra a melhor maneira de tornar uma profissão algo prazeroso de exercer.

Certa vez, assistindo a uma entrevista do jornalista pernambucano Geneton Moraes, ouvi algo interessante e que me fez refletir um pouco no quanto a gente segrega as definições. Ele dizia que a Literatura era muito maior que o Jornalismo. Não o contradito. Concordo que a poesia pode ser uma base pra qualquer profissão e, diante do jornalismo, ela se sobressai com todos os seus versos e prosas. Mas tudo isso há um único motivo: a incapacidade de associar um maior a outro. Literatura e Jornalismo deveriam ser indissociáveis no sentido de colocar um pouco de criatividade em tudo que se é feito. Já disse um outro jornalista, Esdras Marchezan: “é sempre possível fazer um lead criativo […] as pessoas estão cansadas da falta de criatividade.” Nada mais verdade que isso! Se é o lead que nos chama, esse mesmo lead deve nos fazer terminar uma leitura.

Finalizo com uma frase de Geneton que sintetiza toda essa paixão por contar histórias, toda essa vontade de ouvir e escrever sobre o outro, porque é isso que faz a gente crescer, é isso que faz o outro crescer. “Fazer jornalismo é produzir memória.”