Por uma política de drogas efetiva e segura

política de drogas
Foto: Liz Lawley

Por que a Holanda – um país cuja política de drogas é vista frequentemente como permissiva – apresenta melhores resultados que outros países com políticas muito mais restritivas? Um novo informe do Programa Global de Política de Drogas da Open Society mostra que a Holanda mantém baixos níveis de HIV entre a população que usa drogas e taxas comparativamente mais baixas de consumo de cannabis entre a população jovem, e tudo isso sem ter que aplicar o mesmo tipo de medidas rigorosas de seus vizinhos.

Entretanto, enquanto os holofotes estão sobre os coffee shops, onde é possível vender e consumir cannabis abertamente, os benefícios do modelo holandês não recebem suficiente atenção.

O informe inclui os seguintes achados sobre a experiência holandesa: Ocorreram muito menos encarcerações por infrações menores ligadas ao uso de drogas. Recentemente reportou-se que cada 42 segundos é presa uma pessoa nos Estados Unidos por posse de marijuana. Já os cidadãos holandeses são geralmente poupados do fardo de ostentar antecedentes criminais por causa desse tipo de violações menores e não violentas. Uma comparação mostrou que, em 2005, houve 269 prisões por posse de marijuana por cada 100 mil cidadãos nos Estados Unidos, 206 no Reino Unido, 225 na França e apenas 19 na Holanda.

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Foto: Wikimedia Commons

Leis menos duras não propiciaram maiores níveis de consumo de drogas. Em torno de 25,7% dos cidadãos holandeses declararam ter consumido marijuana pelo menos uma vez, o que é semelhante à média europeia. No Reino Unido, que tem uma política comparativamente mais estrita, essa taxa é de 30.2% e nos Estados Unidos é um enorme 41,9%.

Enquanto os coffee shops geram em torno de €400 milhões (US$512 milhões) de arrecadação anual por pagamento de impostos, o seu propósito principal está focado na saúde pública e na inclusão social. Assim, a Holanda investe muito em tratamento, prevenção e redução de danos.

A lógica por trás dos coffee shops nem sempre é bem entendida: eles foram criados para proteger os consumidores de cannabis da exposição direta com drogas mais pesadas. A teoria que está na base dessa abordagem afirma que a proibição indiscriminada cria um submundo que leva os usuários de drogas com riscos associados bem distintos a conviverem nos mesmos espaços. Pior ainda, carrega a população jovem com antecedentes criminais, o que pode terminar por empurrá-los para o mundo das drogas mais pesadas.

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Foto: Gerardo Diego Ontiveros

Já que drogas diferentes representam riscos diferentes, o governo assumiu que elas devem ser tratadas de forma diferente. Isso é conhecido como a “separação de mercados”.

Os tomadores de decisão holandeses entenderam que o comércio ilícito de marijuana coloca os usuários em contato com traficantes que vendem também outro tipo de drogas. Na medida em que se desenvolvem locais comerciais autorizados para a marijuana, os usuários dessa droga têm menos chances de obter drogas mais pesadas através de seus fornecedores de cannabis.

Por exemplo, na Suécia, 52% dos usuários da marijuana informaram que outras drogas estão disponíveis com seus fornecedores habituais de cannabis. Na Holanda, apenas 14% dos usuários de marijuana podem obter outro tipo de drogas através de seus fornecedores de cannabis, de acordo com observadores europeus de drogas. Isto ocorre porque a grande maioria dos consumidores de cannabis compram nos coffee shops. Além disso, o país praticamente eliminou o uso de drogas injetadas como meio de transmissão do HIV e tem os menores níveis de uso problemático de drogas na Europa.

Foto: Tom Jutte
Foto: Tom Jutte

Entretanto, a abordagem holandesa, como qualquer política pública, é vulnerável à dinâmica das disputas políticas. Em um clima propício para o populismo, disputas interpartidárias podem produzir abordagens regressivas em política de drogas. Nos anos recentes, legisladores ambiciosos ou candidatos já apostaram por explorar politicamente o tema das drogas, tentando estabelecer leis mais restritivas.

Os defensores do status quo internacional podem argumentar que a existência de um debate sobre política de drogas na Holanda representa que os legisladores reconhecem que há um fracasso. Mas com isso ignora-se o fato de que essa política de drogas nunca fracassou. Em alguns casos, foram introduzidas reformas como forma de lidar com dificuldades locais. Em outras, os coffee shops se tornaram uma plataforma fácil para ser explorada politicamente. Ainda assim, nada disso minou os resultados que até hoje conseguiu a política holandesa de drogas ou o amplo apoio público que ela tem.

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Foto: Andre Bulber

O informe mostra que o debate atual sobre a política sobre uso de marijuana na Holanda tem pouco a ver com o seu sucesso ou fracasso, com a saúde pública ou com a justiça criminal. Ele tem a ver com política.

É ali que emergem as principais questões sobre os passos a seguir. O que virá agora dependerá mais de liderança política do que de resultados em saúde pública e segurança. Será que a comunidade internacional tem a vontade política de aprender com as lições da Holanda e avançar ainda mais nesse sentido?

Texto publicado na CBDD (Comissão Brasileira sobre drogas e democracia).