Punhetão: Um Sgt. Pepper’s dos fanzines

Nonsense Intro

Existe um receio que jornalistas e alguns escritores nutrem. Falo sobre escrever punheta, entre outras palavras consideradas de baixo calão pela sociedade. Estas mesmas pessoas ficariam desconfortáveis em falar sobre o Punhetão? Muito menos do que escrever sobre! Imagina só, o Punhetão na Veja! Queimação de filme total! Para o Punhetão, óbvio! Para a tua sorte, o La Parola não possui esse receio. Muito disso é em virtude de aqui ser um lugar que exalta as liberdades críticas e criativas. Sinceramente, não queremos leitores que não tenham dito a palavra punheta ao menos uma vez nada vida. Sem falso moralismo, se você fala filho da puta para o juiz de futebol ou para o motoboy que cortou a sua frente no trânsito, por que se apavorar com um fanzine chamado Punhetão? Entrei no clima. É uma das vantagens em ser espirituoso.

Pô, massa! Vou querer esse Punhetão aí pra bater uma, mas só se for de graça, já que eu tenho pornografia de graça na internet.

O Punhetão

Não, ignóbil, isso não é sobre sexo explícito. É sobre conteúdo crítico e liberdade de pensamento. Exatamente por este motivo que o Punhetão tem este nome, considerado tão grosseiro por professores de rede pública, noveleiros e demais moralistas de plantão. É explicitamente um zine (anti)jornalístico e (contra)cultural para um grupo seleto e segmentado de pessoas. Mostre o Punhetão para quem curte o Crumb, o Dr. Gonzo e os Rolling Stones e eles irão adorar. Mostre o Punhetão na Jornada Mundial da Juventude e na Câmara dos Vereadores da sua cidade e seja tratado como um insano de outro mundo.

Não há padrão no zine. Os tipos, os tamanhos, os espaçamentos e toda a padronização usada em praticamente todas as formas de comunicação são aqui escanteadas. O que vale é usar o que vier na cabeça. É aquele lance meio artesanal, meio Do It Yourself, com uma liberdade criativa que todo o artista gosta de exercer. O zine é alternativo e um tanto quanto pessoal. Não é para grandes massas. Nem fodendo.

A sétima edição do Punhetão, numerada e limitada a 500 cópias, começou a ser distribuída de graça neste mês de julho a centenas de infelizes. O zine é, resumindo, todo louco. Já de cara temos dois editoriais, um de 2011 e outro de 2013. Sim, o zine não tem periodicidade. O Garras, criador do zine, já dizia no editorial do Punhetão #666, de 2001, edição antecessora a esta última:

Quanto a periodicidade é o seguinte: ISSO AQUI É UM FANZINE, PORRA!!! Não tem periodicidade nenhuma. Quando dá na telha eu faço outro. É de graça e, por isso, não devo nada prá ninguém.

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Dei sorte. Ainda há 302 pessoas mais otárias do que eu.

Voltando ao conteúdo do zine, as 24 páginas mostram histórias em quadrinhos (reais ou não), ilustrações aleatórias, artigos isentos de imparcialidade, Todd Solondz, Brian Jones, jornalismo gonzo, Led Zeppelin, Yoko Ono, Sady Baby, rock argentino, Os Malvados Azuis e toda a pré-história da Cachorro Grande.

A edição é envelopada e personalizada. No topo, já há um aviso: “Cuidado: risco de dando cerebral! Abra por sua conta e risco”. Dentro do envelope está o Punhetão, enrolado em um papel de seda. No interior, mais uma seda para que seja usada para “ver coisas escondidas no zine”. Funciona.

O zine é underground até as bolas, como sugere o slogan de uma das edições anteriores, e tem reconhecimento da cena alternativa e do mundo acadêmico. Foi, junto com outras publicações da Morra Comix (o selo independente que edita esses absurdos), objeto de estudo de uma monografia de conclusão do curso de jornalismo da Universidade de Passo Fundo. Quem discorreu, com extremo talento, sobre o tema, foi Fabíola Hauch, em um trabalho longo e de fôlego.

Entretanto, nenhuma das edições antigas parece ser tão elaborada e peculiar quanto a do Punhetão #7.

Capa do Punhetão #7

“Um Sgt. Pepper’s dos fanzines”

Uma das coisas que mais chama atenção nessa edição de número #7 do Punhetão é o capricho do acabamento. Todo artesanal, tem vários detalhes customizados que fazem de cada zine um exemplar único. Foi utilizado barbante de várias cores para a encadernação, havendo Punhetões com as páginas amarradas por fios vermelhos, amarelos, azuis, verdes… Há uma figura colorida na matéria da página principal, mas não é a mesma em cada exemplar: em alguns é a capa do single dos Malvados Azuis, em outros é o disco d’Os Hipnóticos e, em alguns pouquíssimos exemplares, é a capa do primeiro EP da banda Cachorro Grande. Diversas marcas de sedas para enrolar baseado cigarro foram usadas para a colagem na página 3. Por fim, além da numeração, há as marcas — reais — de café na sobrecapa, feitas uma a uma, tornando cada fanzine diferente.

“Eu sempre tento fazer um Sgt. Pepper’s dos fanzines. Algo diferente e especial, que os distinga dos outros”, explica Rodrigo de Andrade, o criador do Punhetão. “Na cultura pop, cada exemplar de livro, disco, gibi, é igual ao outro. As coisas são produzidas em série. São todas iguais. Os fanzines não seguem essa lógica. São feitos à mão. Queríamos ressaltar isso. Fazer com que o leitor fosse aos poucos se deparando com várias pequenas surpresas. E ao encontrar outro Punhetão na casa de um amigo descobrirem em um pequeno instantemágico que algum detalhe no exemplar dele o torna único! O Ezra Pound, um grande poeta e estudioso da poesia, fala do conceito de ‘condensare’, afirmando que grande literatura é linguagem carregada de significado até o máximo grau possível. Para mim, toda manifestação artística contém poesia, em maior ou menor grau. Especialmente nesse Punhetão #7, cada frase é pensada. Cada detalhe foi planejado. Nada é gratuito. Nem o esporro de café. É como o que o Leminski fala: queríamos que as pessoas abrissem o envelope do fanzine e que, BOOM!, o conteúdo explodisse em suas caras. Um fanzine é uma coisa especial. É um atentado de terrorismo poético pela sua própria natureza. Senão seria uma dessas revistinhas sem alma, feitas por estudantes caretas de comunicação, impressas padronizadinhas em qualquer gráfica”, alfineta o autor revoltado.

Interrogatório com um agitador (contra)cultural

Após a leitura do Punhetão, fiz algumas perguntas ao Garras, o fundador disso tudo e membro da Sociedade da Grã-Ordem Zinista (e Kavernista também). O Garras é formado em História e Jornalismo e é mestre em Estudos Literários. Apresenta o programa de rock Trincheira às terças-ferias na Rádio UPF e criou o site de (anti)jornalismo e (contra)cultura Os Armênios (R.I.P), um lugar que valia a pena ter continuado na internet. Resolvi reproduzir a conversa na íntegra. Leia logo abaixo a imagem:

Esse é o Garras
Esse é o Garras

A quem eu atribuo a autoria do Punhetão?

O Punhetão foi o primeiro título da Morra Comix, uma editora fictícia de zines que criei nos anos 90. As primeiras edições eram todas feitas por mim. Os textos, diagramação, até impressão (na época eu trampava numa gráfica), dobra, montagem, envelopamento. A maior parte da tiragem ia para outras cidades, sendo que mais da metade era remetida para outros fanzineiros. Zine tem muito disso de ser meio autoral, de carregar algo da personalidade de quem produz. A única coisa que eu dividia a autoria era as HQs, sempre desenhadas pelo infame Cristian Cardoso, o Nêgo-Ruivo. Ele era o principal parceiro no crime. O traço dele lembra muito os quadrinhos alternativos de editoras underground dos anos 60 aos 80. Era perfeito para a proposta estética do fanzine.

Com o tempo outras pessoas quiseram participar, enviando textos e HQs. Mas esse material acabava indo parar nos outros títulos da Morra Comix, como no Ponto Tê Xis Tê ou no Artenaltivo. Somente nas edições #5 (toda impressa em azul) e na #666 do Punhetão que foi incorporada uma sessão de participações.

Com Punhetão #7 foi diferente. O Daniel Confortin, meu melhor amigo, participou ativamente de todo o processo, conspirando, diagramando tudo com uma estética suja, adicionando textos e fazendo HQs, criando ciladas para os leitores e encantando as páginas com um tipo de magia que provoca efeitos alucinógenos. Quando fizemos os outros zines, nas antigas, ele estava sofrendo lavagem cerebral em uma seita esotérica e nunca havia colaborado nenhuma edição. A participação dele foi fundamental para o formato final desse último exemplar. O Punhetão #7 é tanto dele quanto meu. Também tem uma HQ do Fill Chapeleta, que é um grande cara e que movimenta várias coisas no meio alternativo. Outra figura de enorme talento que participou do Punhetão #7 com ilustrações foi o Griza. E no envelope tem um quadrinho (sem crédito) do John Loco, o Caetano. Ah, e já estava esquecendo: há uma foto rara dos Malvados Azuis sem crédito, mas que foi feita pelo Guto Escobar em meado dos anos 90.

O que tu usou pra fazer a marca na capa de seda do zine?

É só café. Não se preocupe. Mas aguarde pelo próximo!

Como ler o zine apropriadamente?

O processo de digerir o Punhetão #7 começa pelo envelope… a “mulher barbada” do Griza, nossa campanha pela libertação do Sady Baby, as letras miúdas e tal… Depois tem o lance de apreciar o acabamento todo do recheio do envelope. A textura e o esporro de café na capa de papel vegetal, a encadernação, a própria capa do zine. Então, Acho fundamental começar pelo início: editorial e o 2º editorial inesperado. Para sacar o lance. Aí já vai ter indicações do espírito do zine e do estado de espírito para apreciar a parada. Quanto mais alterado, mais diversão.

Por fim, é uma leitura para se fazer no vaso sanitário. Seria legal poder ler no ônibus também, mas as letras são miúdas demais para o balanço. Enfim, não é uma coisa séria. Como o próprio nome sugere, é um convite para a diversão. Punhetão: o prazer em suas mãos.

É Colomy na página 3?

Nenhum exemplar é igual ao outro. Em alguns é Colomy, sim. Em outros, umas sedas mais chinelonas, tipo Trevo, Diplomata e uma bem vagabunda que custou 40 centavos e se chama Beija Flor..

Quem é o macaco da capa?

Não posso contar, senão irei a falência pagando o prêmio da promoção da página 3 para todos os milhões de leitores do zine.

Não conheço o Garras, como faço para receber meu Punhetão?

Qualquer pessoa pode pegar um exemplar comigo ou com os realizadores. Alguns também estão disponíveis nos patrocinadores da contracapa (principalmente na loja Valentine). Os fanzines da Morra Comix sempre foram distribuídos de graça. Arcamos com todas as despesas. Apenas com esse Punhetão #7 é que começamos a pedir uma colaboração de qualquer valor para quem recebe um exemplar.

Como eu e o Daniel fundamos uma editora independente (a Editora Sapo Morra), vamos disponibilizar esse Punhetão e futuras publicações pelo preço de custo (impressão + correio), sem visar lucro. Então, para pedir o seu basta acessar o link: sapomorra.com.br/

O Punhetão número 8 vai sair antes de 2023?

No momento, estou com as mãos bastante ocupadas. Meu segundo livro deve ser publicado lá pelo final do ano e tenho um terceiro para finalizar. E agora, exigindo atenção imediata, há um selo que estou fundando com o alemão Marmitt. O 180 Selo Fonográfico inaugura atividades nesse mês de agosto com um primeiro lançamento em vinil, da banda Cachorro Grande, além da loja online. Então, não sei quando poderei punhetar mais, mas as primeiras pautas e idéias para a próxima edição já estão sendo ejaculadas.

Pensa algo a respeito de zines virtuais ou digitais? É possível ou não há sentido em colocar este tipo de publicação na nuvem?

A internet é uma ferramenta sensacional para produções independentes. É uma forma de minimizar custos e ter uma abrangência imensa. Os Armênios — site que mantive no ar por 6 anos e que, no período mais áureo, chegou a ter bem mais de 1 milhão de acessos em um ano — era um fanzine, só que no meio digital. Em quantidade, as produções alternativas bombaram com a expansão tecnológica comunicacional. Hoje qualquer um produz. O que é bom! Mas é preciso saber filtrar o que tem qualidade e relevância no meio de tanta quantidade.

Com tua experiência de zineiro da década de 90, fala aí como é escrever sem o Google para o pessoal que já nasceu com Facebook.

Sei lá. Nem sei direito o que dizer… Costumo dizer que, se tirar a internet da maioria dos jornalistas culturais, muitos não conseguem escrever nem um parágrafo. Para produzir sobre cultura tem que consumir cultura. Ouvir os discos, ler os livros e gibis, ver os filmes…

Naquela época, tínhamos a infantil certeza de que as pessoas eram ignorantes porque não tinham acesso à informação. Eram poucos canais de TV e emissoras de rádio. Acreditávamos que a alienação era decorrente exclusivamente da limitação de opções. Era, e ainda é, com um espírito revolucionário que fazíamos os fanzines. Se na edição daquele mês a revista Bizz não falasse de nenhuma banda que gostávamos, então precisávamos escrever fanzines para falar delas! Como saber quais discos o Ten Years After havia lançado? Que livros o Henry Miller escreveu? O que eram os beatniks? Lodoss era um animê ou mangá? Aí veio a internet democratizando a informação e mostrando o quanto éramos inocentes. O problema não era acesso ao que achávamos legal. A maioria das pessoas era burra mesmo e pronto. HAHAHAHAHA! Brincadeira (ou não). O que estou tentando dizer é que informação não é conhecimento!

O legal da internet, como já falei, foi que promoveu uma fermentação da cultura alternativa e independente. Hoje o séquito de zumbis que sofrem lavagem cerebral dos grandes grupos de comunicação é menor (e graças a isso eles vão deixando aos poucos de ser “o quarto poder”) , e grupos anárquicos podem organizar manifestações imensas com uma facilidade e agilidade extrema! A internet é uma grande ferramenta, mas se engana quem acha que o mundo se resume a ela. É apenas um dos muitos mapas de parte do território.

Para dar um exemplo desse de “escrever sem o google”, costumo dizer para amigos que também escrevem ou são jornalistas: para falar sobre um disco você só precisa ouvir ele. No fim, você é bom por aquelas coisas capazes de fazer sem um computador.

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Bônus

No decorrer de toda a história, homens perturbados produziram uma quantidade absurda de literatura da pior espécie possível. Esse tipo de lixo é rotulado pela crítica de diversas maneiras, dependendo de suas características: literatura b, pulp fiction, horror, beat, ficção científica, fantasia, cyberpunk… Enfim, toda uma literatura marginal que sua professora nunca indicou no colégio, produzida por escritores malditos e degenerados que não chegaram a lugar algum e morreram de cirrose ou congelados num apartamento miserável durante um inverno rigoroso no norte.

Nos horrorosos anos 80 (período negro na história da cultura pop, quando os cabelos, roupas e a música foram da pior espécie possível), foi produzida uma edição especial da revista Semiotext(e). Os editores do grupo Autonomedia convidaram apenas autores estranhos, com má reputação de possuírem imaginação insana, delirante ou subversiva. Foi solicitado que eles colaborassem apenas com histórias que (preste atenção agora) tivessem sido vetadas em outras publicações comerciais por seu radicalismo, sua obscenidade ou estranheza de estilo. A intenção era reunir ficção científica ousada e grotesca numa obra que levaria o nome de Bad Brains. No fim, com o título de Semiotext(e) SF, a antologia reuniu novelas, contos, ensaios e ilustrações do caldo da merda da pior literatura vomitada por aliens que se tem notícia.

Trecho de “O Futuro é uma Merda”, escrito por Luther Blissett

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