Rollin’ and Tumblin’ – 3 Noites de Blues

Parado em pé na beira do asfalto, com o sol ainda fornecendo somente luz, eu batia o queixo de frio e erguia o dedão, tentando arrumar qualquer carona que me encurtasse o percurso, mais de 300km distante, até Caxias do Sul, onde naquela noite estava começando a quinta edição do Mississipi Delta Blues Festival. Deve ser assim que os antigos bluesmen faziam – eu pensava para tentar animar, lembrando de tantas letras que falavam sobre acordar cedo, confuso e precisando cair na estrada.

Caminho longo, grana curta. Valeu a pena. Já fui a alguns festivais – de música à mímica – mas esse foi sem dúvida o mais surpreendente. O local não poderia ser mais sugestivo, a velha estação de trem da cidade. Os trilhos desativados traziam um certo ar de melancolia a toda aquela efervescência que inundava o local. O blues tem dessas. Mesmo quem não é fã declarado sabe que o estilo ultrapassa a definição de gênero musical. É um estado de espírito. Ironicamente poético, simples, sensual, carregado de sentimento, para ouvir e sentir. Logo na entrada, a organização e a qualidade de som demonstravam que o ingresso valeria cada centavo. Algumas pessoas dizem que Deus está nos detalhes, pois então este evento contava com a presença divina. Na primeira caminhada, para reconhecer o território, já notei que simples ideia de entregar um copo personalizado ( e de 500 mL) a cada um mantinha o ambiente limpo e facilitava a circulação, ainda mais quando a chuva também resolveu aparecer, além de ser sempre melhor beber com um certo estilo. Tudo isso, regado a chopp gelado a preço justo e o som rolando, com os artistas espalhados pelos cinco palcos – ou nos stands, no meio da galera e onde mais desse na telha – mostravam porquê esse festival é considerado o maior do gênero na América Latina.

Os músicos impressionavam pelo calibre e pela desenvoltura, ficava a impressão que todo mundo se conhecia e estava muito a vontade, celebrando e tocando entre amigos. O público sentia o feeling, todo mundo tranquilo, dava pra ver desde crianças de colo com os olhos colados nos palcos até senhores grisalhos requebrando o quadril como deviam fazer na adolescência. Gostei da facilidade de andar pelo lugar, nos stands de arte podia-se apreciar o trabalho dos artistas e não era raro ver o próprio por ali, pintando, conversando, tirando fotos. Além das artes, stands com venda de livros, roupas, souveniers e qualquer coisa que se relacionasse (às vezes nem tanto) com a cultura do blues.

MDBF - Caxias do Sul
Foto: Porthus Junior

Caminhando por tudo, querendo estar em todos os lugares, assim eu conheci pouco a pouco praticamente todas as ações do evento, de workshops a ambientes como uma sala onde rolava um leilão, de nome Silencioso, onde os itens estavam expostos juntamente com uma folha de papel, para que cada um ali escrevesse seu lance e o meio para ser localizado, caso sua oferta fosse a mais alta ao final do evento. Foi demais, ver grandes artistas de tantos lugares, inclusive brasileiros, em performances como a de Bob Stronger e Guy King, fazendo todos dançar o Chicago Blues, ou o angolano Nuno Mindelis pedindo para a platéia fazer backing vocals – e depois descendo até ela (no meio da música!) para agradecer, ou ainda a monobanda formada unicamente pelo Lendário Chucrobillyman, que com uma máscara de gorila e berrando num megafone, encantou – e espantou – todos, mostrando suas “tosqueras” enquanto degustava uma “very good beer”.

Após três noites o festival acabou, enquanto eu voltava pra casa pensando em quem virá tocar na próxima edição. Os Maias devem ter se enganado, o mundo não vai acabar em 2012. Já está confirmado, ano que vem tem mais dessa grande festa. Eu estarei lá.

MDBF - Caxias do Sul
Foto: Porthus Junior