Sobre morte e sonho

Eu sempre acreditei que a vida fosse uma espécie de eternidade finita, uma passagem do material para um brilho estrelar, uma conspiração magnífica em ser feliz e não procurar o fim do que quer que fosse (porque um dia ele sempre chega, seja de um problema, de uma alegria, de uma realização ou de uma vida). Mas quando vamos crescendo, as estrelas cadentes deixam de ser o pedido que a gente sonha ao cruzar os dedos e passam a ser um risco rápido que num piscar de olhos é inevitavelmente esquecido. A gente vai crescendo, vai observando os carnavais passarem e de repente se depara com uma sexta-feira 13, um Halloween em plena Ação de Graças. A vida tenta, de todas as maneiras, cruéis e incrédulas, tirar a esperança, a fé e a visão de que o dia amanhã vai nascer, e com todo o clichê, que depois da tempestade sempre vem um sol. Nem que você faça um borrão dele no quintal de casa. Ele vem. E a gente nunca percebe isso.

Não nos ensinam a dizer adeus. Nunca. Minha infância foi marcada por uma música que até hoje me vejo cantarolar pelos cantos da casa. Ela dizia mais ou menos assim: “Professora, que corrige os erros meus, me ensina a dizer eu te amo, mas não me ensina a dizer adeus…”. Até que o fim do ano chega, e aquela senhorinha que nos ensinou a ler, deixa de ser a nossa tia e agora a chamamos de tia Mônica, ou tia Simone ou tia Shirley, pra distinguir da que conheceremos no próximo ano. E então a gente aprende a respeitar, a pedir desculpas, a agradecer, a sorrir sempre, sempre que possível, porque tristeza, meu bem, é tudo que a gente não precisa nessa vida. Mas não nos ensinam as despedidas, o ‘até logo’, o ‘a gente se vê por aí’, e como diz a música, o ‘adeus’. A gente não aprende a fechar o ciclo. O ciclo que desde tão novos aprendemos. Tão metódico, tão circunscrito no seu próprio mundo, tão completo, e ao mesmo tempo tão vago e real. A gente não aprende a dizer ‘tchau’, tampouco a recebê-lo.

O tempo voa. A gente cresce. E se não tivermos cuidado com o que pensamos e escutamos, morrem os sonhos, desde muito cedo. Acredito nos sonhos como quem acredita na verdade. Tão fiel e exato quanto a metodologia dos conceitos prontos de felicidade descritos repetidamente nos livros de Augusto Cury. Se não são os sonhos que nos formam e nos guiam, eu não sei o que pode ser. Peço o perdão da palavra, mas é o sonho que nos derruba e que nos levanta. Puxa-nos e devolve-nos ao chão. Mas está sempre brilhando em algum lugar. O nosso digníssimo Augusto dos Anjos resumiu isso muito bem quando escreveu que “a mão que afaga é a mesma que apedreja”. O sonho é assim. E isso serve pra tudo nessa vida.

Retornando ao ‘morrer’ de fato, sem entrelinhas, sem parênteses, aspas ou ítálicos. Voltando ao morrer propriamente dito, o que tenho a dizer é que certas coisas não precisamos aprender a nos despedir. Com meu pensamento ainda de criança, eu sempre acreditei que a morte só viria numa velhice quase infinda, e que qualquer morte antes disso seria uma puta duma injustiça. Ainda acredito na teoria prática de que (e Cazuza que me desculpe) morrer dói, sim. Não no morto ou no defunto, como friamente falaria Machado de Assis. Mas dói. Dói na alma do próximo e (me desculpem a piada infame) na do distante. Dói naquele que sente, que vive e que está nesse mundo pra sonhar. Os sonhadores com tudo nesse mundo estão a desfalecer. Mas sempre há uma luz, uma fitinha do senhor do Bonfim da Bahia, uma nova promessa, um novo truque ou superstição para nos fazermos acreditar novamente no milagre da renovação. Há sempre uma rosa desabrochando num dia frio, um sol riscado no quintal de casa e uma criança te sorrindo, mostrando que tudo pode ser bem simples se enxergarmos além do nosso mundo.