Neil Young & O Lado Orquestrado da Lua

Em 2014 o reverendo Neil Young estava me devendo uma. Consido realmente muita patifaria de minha parte ter pensado que o canadense me “devesse uma”, afinal de contas o trovador solitário me brindou com músicas estupendas, e se alguém deve algo para alguém este alguém sou eu… Aliás todos nós, fãs de sua música, estamos em débito com seu talento.

Gostaria de recomeçar a explicar a parte do “me devendo uma”. No começo deste mesmo 2014 que ainda vivemos, Neil gravou A Letter Home, e com ele me fez realmente espumar pelos ouvidos. Achei um dos piores trabalhos de sua carreira e um disco que tenta experimentar, mas além de chover no molhado, ainda o faz com uma cabina telefônia que pagava de Jukebox do Austin Powers, e que Neil VIVEU para poder utilizar, só que só resolveu operá-la mais de 40 anos depois de seu natural invento.

Mas, repetindo o que aconteceu em 2012, Neil surge com dois trabalhos para 2014, e com o segundo Storytone (a ser lançado dia 3 de novembro) ele enfim acerta o alvo novamente. Foi bem difícil ouvir A Letter Home depois do excelente Psychedelic Pill, além de um som completamente diferente foi uma ruptura de qualidade imensa, e com o ousado projeto de Storytone as coisas parecem se acertar. Inclusive considero este disco como o sucessor natural do trabalho com a Crazy Horse. Folk orquestrado e na viola com uma ótima versão deluxe.

Neil Young - Storytone Capa
Neil Young – Storytone

Track List

1. Plastic Flowers
2. Who’s Gonna Stand Up
3. I Want To Drive My Car
4. Glimmer
5. Say Hello To Chicago
6. Tumbleweed
7. Like You Used To Do
8. I’m Glad I Found You
9. When I Watch You Sleeping
10. All Those Dreams

O set list da versão standard desse trabalho faz uma mescla entre o Folk trovadoresco do mestre e as versões orquestradas, já na versão deluxe temos exatamente o mesmo conteúdo do set list, só que desta vez a viagem é completa. O primeiro disco apresenta as 10 faixas destacadas acima no formato acústico, e no segundo as mesmas dez faixas no padrão Villa-Lobos de excelência.

Ambas estão plenamente disponíveis na internet, e para efeitos de um texto mais abrangente resolvi falar sobre esta versão. Começando com a parte em que Neil é mestre Phd temos o lado Folk deste disco. Em termos criativos as faixas desse disco são ótimas, o som estimula o ouvinte a ficar sozinho e apreciar esse som da forma que o bom Folk sempre induz, “egoísta”, e sempre tirando algo das letras, que aqui se encontram especialmente inspiradas.

Outro detalhes que vale ressaltar é que mesmo com Neil tocando violão e fazendo os vocais, o som consegue atingir um grau de riqueza excelente. Fora que do ponto de vista estético, gostei bastante do espaço que o Canadense deu para o marfim, temos muitas faixas com sua voz no front das teclas e o resultado é lindo. I’m Glad I Found You é um dos grandes exemplos disso. As faixas são relativamente curtas, a impressão que se tem é que em vinte minutos o disco com Neil solo termina, mas não, são cerca de 35 minutos, outro sinal da qualidade do trabalho, flui muito fácil. É realmente delicioso.

Aliás escrever essas linhas foram muito prazerosas e paradoxalmente complexas, por que o som naturalmente lhe faz ficar recluso, e eu não poderia ficar calado com temas como Who’s Gonna Stand Up, Like You Used To Do ou All Those Dreams, por exemplo.

neil-young
Foto: Matt Kent/Getty Images

E para provar que Neil “quitou” sua dívida com meus ouvidos com juros e correção ainda tinha a parte orquestrada, e foi aí que tive uma das mais belas surpresas de 2014. Se esse trabalho tivesse chegado ao fim só com os temas solo já seria um grande registro, mas foi no orquestrado que Young mostrou seu valor diferenciado como músico e todo seu talento e feeling.

Pode reparar, em discos onde uma orquestra se faz presente sempre tem algum tema ou um par de momentos que soam exagerados. Parece que acaba ficando ‘”enfeitado demais”… Não existe muita explicação, só parece saturado, e acaba perdendo o mais importante dentro da música, sua verdadeira essência.

Essa foi uma das minhas maiores preocupações antes de ver o lado chique e com direito a 92 músicos presentes para a ode sonora de Storytone e seu som à la Mark Twain de “O Príncipe e o Mendigo”, começando “mendigo” com Folk, e terminando “príncipe” com a riqueza regida por Michael Bearden e Chris Walden.

Young montou suas músicas de uma forma grandiosa, ouvimos o disco rearranjado desta forma e só temos elogios a tecer. Temas simples se tornam verdadeiras wild tales, e enquanto repassamos a audição vemos como a riqueza instrumental dá outra cara para o som, e como isso ainda pode ser feito de uma forma simples, absolutamente sem exageros… Em Glimmer, por exemplo, a gaita de Young é o destaque, e lembrem-se, eram 92 músicos fazendo a parte de construção sonora… Quando o cara manja ele simplesmente manja, realmente excelente!