No início desse ano comecei a ler a palavra “Periscope” com bastante frequência na internet, mas não me seduzi por ela. São tantos aplicativos disponíveis aqui na appstore que é preciso que ele chame muito a atenção para que seja instalado.
Todas as notícias diziam que era um aplicativo de transmissão de vídeo em tempo real. Pensei no Skype, no SnapChat, no Twitcam e outros apps do tipo. “Nada que já não exista, nada demais isso”, pensei. Ledo engano.
O Periscope é um pouco diferente de tudo isso. Imagine o Twitter. Agora imagine que em vez de você ficar escrevendo mensagens curtas em tempo real você está fazendo um vídeo em tempo real. A diferença é essa, o alcance que as transmissões atingem, não sendo limitadas apenas aos amigos, mas a um público global, literalmente.
Quando você baixa o app e faz o login, abre-se um mapa. Nesse mapa há vários balões com números, indicando quantas pessoas estão transmitindo vídeos em determinadas localidades. Vi muitas transmissões no Brasil, nos Estados Unidos e na Inglaterra, mas um outro local com um número grande de vídeos sendo transmitidos também me chamou a atenção.
Bizarrices árabes nos Emirados
Pensei então em ver o que estava rolando em Abu Dhabi e então abriu-se um vídeo de uma estrada em meio a um deserto. A transmissão acontecia de dentro de um carro em movimento, a música era esquisitíssima e o locutor do vídeo falava em um inglês carregado de sotaque. Pense no Borat. Agora multiplique por 50. Às vezes era possível ver as mãos do dono do celular, que estava no carona do carro. Ele fazia uns gestos como se estivesse dançando. Figura.
A principal diferença dos outros aplicativos de transmissão é que você não precisa também estar conectado visualmente. Você só assiste e interage com o visor do celular, seja enchendo a tela de corações – o que tecnicamente é uma espécie de like – ou conversando pelo teclado. A pessoa lê o que os Perispectadores estão escrevendo e assim interage.
No Brasil só tinha gente filmando a si mesmo
Não durou mais que dois minutos, porém. Resolvi mudar de ares e explorar as transmissões brasileiras. A primeira mostrava uma moça de uns 14 anos, aparentemente deitada numa cama. “Insônia” era o título da transmissão. E ela não falava nada, ficava apenas olhando para a tela. Diferente do árabe, ela usava a câmera frontal do celular para mostrar seu rosto e não o que estava à sua frente. Era bem escuro e bem íntimo. Me senti dentro do quarto dela. E isso foi, de certa forma, assustador. Saí fora e fui pra outra transmissão. “Só boyz” era o nome da outra. Um nome curioso. Fui ver qual eras. Mais uma vez, uma moça, essa com 16, respondendo a perguntas da galera. Mas a galera estava mais preocupada em pedir nudes. “Mostra o peito”, “mostra a calcinha”, “deixa eu ver seu quarto”, “deixa eu ver sua bunda”. A gurizada não é fácil. Enfim, não rolou nada disso e estava tudo muito chato. Saí fora daquela perda de tempo depois de um minuto.
Transmissões piratas
Depois dessa perdi a vontade de ficar vendo transmissões brasileiras. Fui pra Nova Zelândia e lá estava um cara repassando os playoffs da NBA. Pra quem não tem os canais, é uma ótima. Aliás, o Periscope já foi criticado por isso quando, em maio, a “luta do século” entre Floyd Mayweather Jr. e Manny Pacquiao, que estava sendo transmitida apenas por canais pagos, foi amplamente retransmitida por usuários do Periscope. Além de lutas e NBA, tem acontecido também em episódios de Game Of Thrones.
Na Itália, um streaming que valeu a pena ter baixado o app
Enfim, a qualidade de vídeo estava muito ruim. Resolvi parar de ver aquela NBA em pixels e ir para a África, mas não achei nenhum streaming por lá. Peguei então um voo para a Itália e vi a melhor transmissão até agora. Um italiano caminhando por Roma e, em vez de egocentricamente usar a câmera frontal, usava a câmera normal para filmar a cidade e conversar com as pessoas, tirando dúvidas e dando dicas sobre pontos turísticos da cidade. Dizia ele, em inglês, que o Periscope havia mudado sua vida, pois antes disso ele caminhava pela cidade sozinho e agora caminhava com a companhia de centenas de pessoas. Interessante, ele parecia se divertir muito e conhecer a cidade como só um nativo conhece.
O streaming do italiano foi o que mais me prendeu a atenção. Fiz uma caminhada virtual com ele, começando pela Piazza Navona, se desenrolando por ruelas estreitas e acabando no Pantheon, quando eu, pra falar a verdade, já havia cansado de ficar olhando para coisas tão bonitas pela tela do celular.
Só que antes de encerrar resolvi dar mais uma espiada. Fui pra San Diego e abri mais um streaming filmado de dentro de um carro. Parecia ser uma galera que estava dando um giro por bairros suburbanos, fumando um e ouvindo um gangsta rap no som, creio que era Snoop Dogg.
Uma mudança nas comunicações e no jornalismo
Achei legal o Periscope, mas como qualquer coisa na internet é cheio de lixo. A maior parte das transmissões não tem nada a ver. É gente dando mamá pra criança, olhando pra câmera sem falar nada, filmando uma festa árabe bizarra que você não gostaria de estar participando, uma aula no colégio ou gente cantando. Sim, esqueci de falar que abri o Periscope em São Luiz Gonzaga (aqui no Rio Grande do Sul) e tinha um cara tocando violão e cantando bem baixinho para “não acordar os pais”, segundo ele.
Se você souber filtrar bem é um aplicativo e tanto. Tem gente já usando o Periscope para transmitir palestras, manifestações, dicas turísticas, o trânsito e outras coisas. Não sei nada sobre isso no Brasil, mas nos Estados Unidos e na Europa alguns jornalistas já usam o aplicativo para fazer jornalismo em tempo real, uma revolução nas comunicações e na forma como nos relacionamos.
Sobre o Periscope
O app tem origem turca. Seu CEO e fundador é Kayvon Beykpour, que enxerga o Periscope não como um lance de streaming ao vivo, mas como uma máquina de teletransporte.
O desenvolvimento do aplicativo aconteceu em um período vital da história turca, durante as manifestações na Praça Taksim, em Istambul. A ideia dos desenvolvedores era criar uma ferramenta capaz de mostrar em tempo real o que estava acontecendo em qualquer parte do planeta.
O Periscope é como uma televisão, mas com a verdadeira interatividade prometida desde o advento da TV digital. Interatividade não é responder a enquetes com o controle remoto ou pausar a programação, mas poder fazer perguntas e obter respostas em tempo real, e é isso que faz o aplicativo.
Outro detalhe importante lembrado por Beykpour é a época da história em que o Periscope foi criado. Para ele, teria sido um fracasso se fosse desenvolvido anos antes. O Periscope só existe graças à popularização das conexões móveis de alta velocidade. Antes disso não seria possível transmitir vídeos com tanta facilidade, a ideia não seria um sucesso e o Twitter não teria comprado o aplicativo por 100 milhões de dólares.
O Periscope é gratuito e está disponível para iOS na appstore e Android na Google play.