O templo jazzístico de Wayne Shorter & Herbie Hancock

Herbie Hancock Wayne Shorter (4)
Foto: Wilian Aguiar

Ouvi de um grande cara uma vez que a arquitetura era música petrificada. Lembro que na hora que escutei isso fiquei completamente maravilhado. No ato, comecei a imaginar grandes castelos, dunas monumentais e todo e qualquer tipo de construção mirabolante que pudesse ser erguida como uma torre de cartas, só que nesse caso, com uma lage 100% batida em tijolinhos de groove.

Faz bastante tempo que ouvi essa frase. Creio que faz mais tempo ainda que não relacionava a mesma com nada, mas veja só como é a vida, foi só sair da estação da Luz e começar a caminhar rumo à Sala São Paulo, que ao observar os primeiros contornos desse ótimo exemplo de excelência arquitetônica, já lembrei da adaptação do grande Danniel Costa.

O engraçado é que nunca tinha visitado o recinto. Sabia que era uma das melhores salas para concerto do planeta, mas depois de entrar e sentir o ambiente, confesso que fiquei envergonhado por ter nascido na capital e nunca ter aparecido por lá antes.

Herbie Hancock Wayne Shorter (1)
Foto: Wilian Aguiar

Mas também é aquela história, se por um lado eu demorei pra comparecer, por outro acredito piamente que fui no dia certo, afinal de contas na noite do dia 30 de março, 2 gigantes do Jazz estariam caminhando sobre aquele palco de incontáveis sinfonias.

O King Herbie Hancock e o Kong Wayne Shorter. Quando o BrasilJazzFest anunciou esse evento de proporções históricas, quase tive um leve infarto. Lembro que dei até um F5 na tela pra saber se não era mentira ou algum tipo de pegadinha implantada pela minha própria mente.

Mas graças à Charlie Parker era a mais pura verdade, mas confesso que ainda assim só acreditei quando vi Herbie & Wayne chegarem aos seus respectivos aposentos. Um foi para o piano, o segundo sentou no saxofone e, sem ao menos tocarem uma nota, já foram completamente ovacionados.

Foto: Wilian Aguiar
Foto: Wilian Aguiar

Na plateia a tensão era tanta que era possível ouvir a respiração das pessoas. Se um afinete caisse no chão todos olhariam para o lado com um reflexo digno da fuga de uma bomba, mas bastou o início do mais cristalino Jazz, que tudo foi ficando mais leve enquanto a dupla pintava imagens belíssimas dentro da mente de cada um dos presentes.

Foram 75 minutos de um dos shows mais livres que pude presenciar. Se não me engano foram 3 paradas antes do bis com uma versão Free-Jazz absurda para a clássica ”Encontros e Despedidas”, tema do grande Milton Nascimento, um dos mais célebres amigos desse duo-meca do Jazz.

Confesso que estou digerindo essa performance desde o momento em que sai da casa e declaro que ainda não consegui enumerar com precisão toda a leva de absurdos pelos quais fui submetido. Aos 75 anos foi impressionante ver a vitalidade do senhor Hancock. Wayne, dessa vez com 82 verões Jazzísticos, foi outro que me impressionou, a calma de ambos foi digna de um Buda. É notável como eles parecem frágeis até o momento de se verem empunhando seus instrumentos… Dali pra frente a vida eterna parece a mais pura realidade.

Foto: Wilian Aguiar
Foto: Wilian Aguiar

A suavidade. O pleno controle da longevidade das notas e a qualidade de som… Acredito que tenha sido a primeira vez na vida que pude ouvir uma nota reverberar em sua totalidade. E entre devaneios eletrônicos/experimentais, o tempo passou como um sopro de ar fresco pela janela, enquanto apreciava o melhor show da minha vida em termos de Jazz e de qualidade de som.

A imersão de improvisos foi imensa e todos os presentes seguiam perplexos a cada nota. Não teve nada do Headhunters ou da época do Miles Davis Quintet, mas o legado dessa performance é mostrar como a desconstrução musical promovida por esses dois gênios, segue explorando um infinito particular que é o que mantém ambos na ativa.

A música não termina, as notas seguem no complexo sonar e no dia em que me perder num feeling tão intenso, leve, denso, quente e frio como este, confesso que as sinestesias perderão o significado.