Bombay Groovy: Meridianos Psicodélicos

Nunca fui num templo. Sempre tive vontade, mas nunca fui. Deve ser uma fábrica de energia. Sempre imaginei algo assim… Com uma mecânica que existe, mas que não necessita de nada para engrenar, vai sempre quase que de forma infinita. Esse lado espiritual volta e meia me fez ter curiosidade a procurar livros teóricos sobre o assunto, mas certos detalhes não são captados em livros, logo, não existe outra alternativa para meu Feng Shui a não ser ir para alguma base de pilar sagrado, vulgo templo.

A música sempre foi meu templo. Sempre vi cada nota como um sermão religioso, algo para me elevar e que acima de tudo me isola 100% de todas as questões problemáticas de meu dia-a-dia. Acho que as notas conseguem certos insights que nenhuma outra forma de arte almeja ou alcança. Acredito no seu caráter de cura e o mais importante: em toda sua potência reguladora de energia, sentimentos e influências.

Cada nota que sai precisa ser valorizada e é isso que poucas bandas conseguem vislumbrar. E hoje em dia esse fato pode decidir quem consegue sair do lugar comum e quem, com muita fibra e paixão, consegue criar uma arte que pode ganhar status de seita e fanatismo de estado islâmico, tornando-se assim o seu templo. E recentemente encontrei mais uma casa sagrada dentre a grande produção de arte brasileira. Com os paulistas da Bombay Groovy o nirvana chega e ainda se mistura com nosso próprio DNA em prol da miscigenação musical.

Line Up:
Lucas Roxo (bateria)
Jimmy Pappon (órgão)
Danniel Costa (baixo)
Rodrigo Bourganos (sitar)

O Ying Yang pede passagem na psicodelia dessas notas em frenesi de aurora boreal. É lindo ver um coletivo de músicos realmente cultos em relação a arte que representam e, que mais do que apenas tocar, buscam agregar novos elementos ao som, seja adicionando sinestesias ou temperando a trip, algo que a Bombay faz como poucos em nossa cena atual.

Depois que o play é dado nota-se o contato com uma representação artística fora da curva. O todo é formado por uma batera (Lucas Roxo) que banha o som em possibilidades multilaterais, sempre em pura sinergia com o sitar (Rodrigo Bourganos), instrumento que trabalha como algo à parte no som.

Forma a jam também nas cordas, mas vai além, tal qual a voz de Plant fazia no Led como um nato e brilhante fator à parte, provendo a liberdade de ir e vir como se o tempo fosse apenas um detalhe! Fazendo frente ao groove eloquentemente melódico e acima de tudo requintado pela baianidade cósmica de Danniel Costa, encerrando o karma no ponto cego da cama de Hammonds do inventivo e Zappiano Jimmy Pappon, a mente que oxigena toda essa viagem.

É como se Confounded Bridge abrisse um portal dentro da jam e fizesse com que a música voltasse a ser o idioma universal. Fazendo com que Jakarta Samba ou Gypsy Dancer encontrem um equilíbrio que até ano passado só era visto no meridiano de Greenwich, marco zero do ponto central da terra, o equilíbrio dos dois hemisférios, que em disco mostra a visão de 10 camadas libertárias da Bombay Groovy. É transcendental.

bombay groovy

O som simplesmente flui enquanto sua alma é embalsamada pelas decodificações sonoras. Parece que a naturalidade e liberdade das notas doces de Fonte de Castalia ou da europeia Le Bateau D’Orpheu, se moldam ao seu corpo e apenas seguem regendo esses momentos para que a apreciação de todos os movimentos desta trama seja total.

Sempre com aquele ideal Zeppeliano de elevar a música como um tributo aos grandes baluartes homenageando tudo que importa, desde o Funk de “Tala Motown” e seu groove celestial que deixa o ouvinte em questionamentos de upbeats em meio a downbeats, até a ambientação suprema deste primeiro disco.

É com Aurora que sintetizo a força desse som e suas características universais. Desde o Prog/Jazz do marfim malhada até a base rítmica que se confunde entre viradas, ragas e laços de notas graves cristalinas. O termo improvisação é a tese filosófica base desta união, mas até nisso a amplitude dessa ideia se limita. A Bombay Groovy faz música no sentido mais amplo da palavra e o fato de ser instrumental só exalta o quanto esses caras conseguem dizer sem ao menos proferir uma palavra concreta. Exuberante é pouco, veja os caras ao vivo e saia na posição de lótus.

Troca de Talas & Ragas

1) Dia após dia percebo que apesar da música Pop ter nos bridado com nome brilhantes (como o Steely Dan), parece que uma das suas principais contribuições para o todo foi simplificar as coisas. A cada dia que passa as músicas perdem em instrumentação e ganham em beats, copiam riffs e criam mais do mesmo… Como vocês, uma banda que vai exatamente contra tudo isso, enxergam o cenário no qual estão inseridos e esse processo de perda de qualidade?

Rodrigo: Primeiramente, buscamos escapar do saudosismo, por mais que seja inevitável quando se trata do sucateamento da música pop. Costumo brincar que o solo de guitarra foi substituído nas músicas atuais pelo ‘’momento rap’’ com algum MC convidado, que de fato é como a coisa rola por aí. Porém, isso não se trata necessariamente de simplificar, pois essa era a busca do próprio Steely Dan, por exemplo. Simplificar não é algo ruim, a Bombay Groovy também busca a síntese (dentro dos excessos da nossa estética) para conseguir misturar inúmeras referências dentro de um contexto de música pop. O Steely Dan fazia isso por meio de arranjos impecáveis e harmonias complexas. Nós buscamos aproximação com a música pop com o desafio de partir de uma formação inusitada e referências certas vezes obscuras, dentro de inúmeros estilos.

2) A mistura sonora promove rupturas, a alimentação base que estimula novas ideias. Agora com um segundo disco que dialoga com vários estilos diferentes, vocês pensam em alguma abordagem mais específica ou a ideia é justamente não se limitar?

Rodrigo: A ideia é flertar com a maior gama possível de inspirações sedutoras sem que o estilo da banda se perca. Buscaremos deixar nossa marca em cada caminho musical percorrido neste próximo trabalho, como também foi a intenção no primeiro. Mas acredito que nesta próxima etapa seremos diluidores com mais embasamento, sem perder a essência roqueira.

3) Hoje a cena instrumental caminha de uma forma muito interessante. Quem aprecia o som da Bombay, por exemplo, está acompanhando tudo que a banda conquista e creio que vocês notam isso, parece uma divisão de nichos sonoros. Qual a opinião de vocês em relação aos benefícios desses acontecimentos?

Rodrigo: Percebemos que a cada vez contagiamos mais entusiastas do nosso trabalho, e o facebook possibilita esse contato direto e uma expansão quase desenfreada. Porém, por mais que estejamos incluídos na suposta cena instrumental, particularmente prefiro não criar essas divisões. Buscamos fazer canções de forma que a ausência de letras não faça falta, tampouco a figura de um vocalista nas apresentações. Para nós, que ouvimos muito bandas de rock clássico, progressivo e jazz rock dos anos 70, às vezes realmente não sentimos falta. Eram inúmeros momentos instrumentais, principalmente ao vivo, e não é raro que fossem os apogeus.

4) No som da Bombay cada instrumento possui seu lugar e na hora de ouvir o grande efeito é essa riqueza de detalhes, algo bem difícil de ser encontrado. Na hora de criar alguma coisa como que a banda mensura essa característica, para que na hora da audição o ouvinte escute absolutamente tudo que foi tocado?

Rodrigo: Isso provavelmente descende da síntese que mencionei no início! Utilizamos poucos canais, gravação ao vivo, poucos overdubs, e é tudo bem espontâneo. Desta maneira, todas as nuances sonoras podem ser degustadas pelo ouvinte atento. E em alguns momentos elas casam muito bem de forma extremamente espontânea, como em diversos diálogos entre a bateria e o sitar ao longo do disco.

5) Acredito que o grande lance da música contemporânea seja criar algo que, se equilibrando entre influências clássicas e atuais, consiga agregar novos elementos para a música do futuro. Como a banda trabalha para criar algo que não soe datado?

Rodrigo: Concordo completamente. Gosto da expressão “música do futuro” também. Quanto a não soar datado, todos nós temos tantas influências inconscientes provenientes do nosso processo de “socialização musical” (como poderia ter dito Durkheim) que é até um desafio soar como de fato as nossas referências setentistas soavam. É inevitável que um novo “approach” irá sobressair, pois os tempos são outros, os equipamentos são outros, as experiências são outras. Acredito que a Bombay Groovy conseguiu equilibrar bem essas inúmeras referências, e soar moderna, contemporânea e ao mesmo tempo flertar com o “retrô” e com as características que mais nos inspiram daquele período.

6) Como é o papel do sitar para os outros músicos da banda? A abordagem com ele no som precisa ser mudada em virtude do seu papel ou o raciocínio é o mesmo se vocês tivessem uma guitarra fixa no lugar?

Rodrigo: O sitar é, como concluiu a Revista Rolling Stone, o “vocalista indiano” da banda. Ele é encarregado das melodias que seriam feitas por um vocalista, hipoteticamente! A peculiaridade é que a afinação do sitar é aberta em ré e o instrumento possui apenas uma corda solo além dos bordões e as cordas simpáticas. Portanto, a banda passa a tocar todas as suas músicas na tonalidade ré, o que influencia muito no baixo e teclas. A bateria precisa, no máximo, ser tocada com menos brutalidade para que o som delicado do sitar sobressaia com as supostas “melodias vocais”. É possível sim tocar em outras tonalidades, mas perde muito das ressonâncias clássicas do sitar, que fica limitado a modulações de notas em uma corda solo.

7) A música indiana também é conhecida pelo uso da percussão, vocês tem alguma inclinação para esse lado (até buscando uma experiência mais raiz junto com o sitar), ou acham que isso acabaria sendo um empecilho na hora de novas experimentações?

Rodrigo: Somos grandes entusiastas da música indiana, mas talvez precisemos de mais algumas encarnações para utilizar apropriadamente essas referências, devido à sua enorme complexidade. Por enquanto nos limitamos ao uso das sonoridades e de uma diluição respeitosa de alguns elementos, como ragas e talas. Já transgredimos demais para esta encarnação, e não queremos passar por diluidores.

8) Eu particularmente estou bastante curioso para ouvir o segundo registro de vocês, logo, gostaria de saber se existe algo que possa ser adiantado sobre o processo, sua sonoridade e os objetivos em relação às novas composições.

Rodrigo: Ouvi dizer que o segundo registro caminhará do jazz manouche ao afrobeat, passando pelo flamenco e pelo jazz rock. Mas pode ser apenas especulação.. No entanto, posso garantir que ainda não teremos MC’s convidados.

9) Já tive a oportunidade de vê-los ao vivo e até pela energia do trabalho em estúdio é quase que imediato imaginar um live, vocês tem planos para isso? Como é o trabalho para deixar as coisas tão orgânicas e naturais, tanto em estúdio quanto ao vivo?

Rodrigo: O futuro é incerto, como diria uma certa figura conhecida, poderemos fazer isto algum dia. Entretanto, costumamos fazer bootlegs das nossas apresentações. Podemos lançar uma compilação dos melhores momentos de diversos shows em breve. E eu diria que o trabalho para deixar as coisas tão orgânicas e naturais em estúdio é simplesmente fazer como se fosse ao vivo. É justamente isso que gostamos de fazer. O vídeo que temos de Aurora mostra exatamente como trabalhamos em estúdio. Tínhamos a estrutura da música e ela simplesmente fluiu daquela maneira no segundo take. Depois foram acrescentados os overdubs de sitar e piano.

10) Para finalizar gostaria de saber o que cada um anda ouvindo recentemente e se isso acabou influenciando o processo de gravação de alguma maneira. Obrigado pela atenção e boa sorte para o futuro!

Rodrigo: Ando ouvindo muito Brian Auger’s Oblivion Express, Django, Paco de Lucia, Funk turco dos anos 70, “Transa” do Caetano, Humble Pie e como sempre Led Zeppelin (principalmente ao vivo em 1972 e 1973).