Costa do Marfim: A ração turbinada da Cachorro Grande

O Einstein possui várias frases ótimas para se pensar sobre os mais variados assuntos, porém uma em especial sempre foi minha preferida, e o assunto aqui é a santa insanidade, vejam só o que linguarudo cientísta proferiu: “Insanidade é fazer a mesma coisa diversas vezes esperando resultados diferentes”. E se tem uma frase que poderia resumir toda a mudança sonora pela qual os gaúchos do Cachorro Gande passaram para culminar com seu sétimo disco de estúdio, (vulgo Costa do Marfim) essa seria minha escolha.

Nem em meus melhores devaneios poderia imaginar que o costumeiro som que sempre fora relacionado com a clássica Invasão Britânica pudesse se descabelar tanto. E o melhor de tudo, os caras acertaram a mão com essa nova pegada. Têm coisas que só uma repaginada sonora fazem por você, e por mais este seja o disco mais experimental do grupo, contando com muita psicodelia, música eletrônica e requintes made in Africa, por outro lado trata-se do trabalho mais fresco da história dos músicos da terra do chimarrão, que mesmo virando seu costumeiro som do avesso, seguem com identidade, e isso é algo dificílimo.

Line Up:

Beto Bruno (vocal)
Marcelo Gross (Guitarra)
Rodolfo Krieger (baixo)
Gabriel Azambuja (bateria)
Pedro Pelotas (piano/teclado)
Nina Cavalcanti (vocal)
Ricardo Spencer (trompete)
Denise Gadelha (vocal)

Track List:

Costa do Marfim
Nós Vamos Fazer Você Se Ligar
Nuvens de Fumaça
Eu Não Vou Mudar
Crispian Mills
Use o Assento Para Flutuar
Como Era Bom
Eu Quis Jogar
Torpor Parte 2 & 5
O Que Vai Ser
Fizinhur

Cachorro-Grande---Costa-do-Marfim-(1)
Cachorro Grande – Costa do Marfim (Capa)
Foto: Cisco Vasquez

Vejam que não usei a frase já citada do senhor Einstein para pura e simplesmente pagar de culto, ela se adapta não só ao novo Cachorro Grande, mas também explica perfeitamente como a banda atingiu este estado de saturação sonora, gradualmente, com os seis trabalho anteriores. A fórmula meio Bluesy, às vezes até dançante, já não oferecia mais nada de novo, tanto para os fãs da banda quanto para os próprios criadores, logo, entende-se agora o trecho: “Insanidade é fazer a mesma coisa diversas vezes esperando resultados diferentes”… Não tinha mais o que fazer, a mudança era o único modo de tirar o Cachorro da mesmice, trocar a ração.

E para isso chamaram Edu K, um dos caras mais indicados para qualquer dose de loucura mundana, criativamente falando. Quem conhece o trabalho do digníssimo sabe que ele nunca se prendeu a nada. E para fazer a banda desgrudar do usual ele foi primordial, fora que já era um cara que a banda queria ter trabalhado anteriormente, só que os horários nunca bateram, até agora. E tudo mudou, nem o figurino dos caras passou desapercebido.

Gravado na costa do marfim da Rua Augusta, famoso point das ”primas” na grande São Paulo, o projeto não se assemelha em nada com o que a banda já fez, e ressalto este ponto por que se você espera pegar um disco na pegada do “Pista Livre” (2005), por exemplo, nem ouse apertar play nos 11 temas que formam o disco. Aqui, além da já citada dose de LSD São Franciscana e dos batuques a lá Fela Kuti, rola também um pouco de música dançante dos anos 90, mas só o lado bom desse movimento, que como sabemos, não rendeu praticamente nada de útil para a música.

Não é um disco para ouvir de forma corriqueira, as músicas não são na pegada de 3 ou 4 minutos como antes, e o trabalho necessita de atenção para ser absorvido. A audição é de fino trato, simples e surpreendente, mas não dá pra fazer isso tomando uma cerveja com os amigos por exemplo, é necessário foco no mar de detalhes sonoros para captar cada nuance e, acredite, a cada orelhada você vai notar alguma coisa diferente. Nessa parte de fritação psicodélica achei o disco bem na linha do “Phosphorescent Harvest”, terceiro disco de estúdio do Chris Robinson Brotherhood, também lançado em 2014.

É um disco com uma pegada de pura imersão sonora, e a abertura com a introdução da faixa título mostra isso. Os batuques, ruídos animalescos da fauna e flora naturais da África, fora o canto do que aparentemente é um trecho de ritual indígena, só apimenta ainda mais a viagem. O ouvinte vai com sede para o segundo take e é aí que a coisa fica interessante, os dez minutos de “Nós Vamos Fazer Você Se Ligar” definem a aura deste trabalho.

Cachorro Grande - Costa do Marfim (2)
Foto: Cisco Vasquez

Ambiente espiritual de efeitos que recriam a vibe de um culto de Ayahuasca. Você nada de braçada no mar de efeitos, nota a guitarra sempre tenaz de Marcelo Gross, escuta o timbre diferente da batera, o baixo na base sempre muito presente, e uma linha vocal que faz a hipnose hippie com um Beto Bruno bem inspirado, inclusive usando efeitos vocais pela primeira vez.

Essa segunda faixa define os homens dos meninos. Se você passou e gostou, quando começar o nevoeiro de “Nuvens de Fumaça” o processo ganha ainda mais valor real. O baixo vem pesado, a guitarra oscila dando rasantes rifferamáticos, e a bateria cadencia e acelera ao seu bel prazer, assim como a voz do mestre de cerimônia Beto Bruno. Não tem como saber quando a coisa vai pelos ares, mas o momento chega.

Nota-se que esse disco está pouco se lascando para os padrões pops da indústria, temos uma introdução abrindo o LP, um take de dez minutos logo depois, uma viagem de mais de seis como “Eu Não Vou Mudar” e um tempero feminino com os vocais de Nina Cavalcanti e Denise Gadelha em “Eu Quis Jogar”.

Meu disco preferido dos caras, achei realmente muito bom. “Torpor Parte 2 & 5” é uma das melhores faixas que a banda já gravou. O vocal e a letra são um sarro e a jam ainda conta com um trompete turbinadíssimo feito por Ricardo Spencer. Meus cumprimentos para o groove de Rodolfo Krieger e o teclado em camadas (talvez um dos grandes segredos dessa cozinha) do Pedro Pelotas, swingueira ácida – Costa do Marfim, o nirvana dos entorpecentes, o grito de liberdade no mar de repetidas ações.