A literatura como filosofia de vida

O texto literário expressa um sentido de procura, um desejo de existir, de manifestar-se ao mundo e conseguir nele um espaço. Percebe-se com frequência essas características em autores como Guimarães Rosa, Machado de Assis, Clarice Lispector, José Saramago, Lima Barreto, Franz Kafka, Fiódor Dostoiévski, entre outros expoentes fundamentais na expressão literária.

Li o livro intitulado “As Virgens Suicidas”, de Jeffrey Eugenides. A obra começa e se estende por uma trama muitíssimo interessante, ao contar uma história que no período de um ano, cinco jovens irmãs cometem suicídio. Um grupo de meninos vizinhos, obcecados pelas mortes, chega à meia-idade com um museu de evidências, que vão de diários a roupas das garotas. Mas, mesmo depois de vinte anos, estes homens ainda encontram dificuldades para compreender aquelas almas femininas. Este livro inspirou o filme homônimo em 1999, o primeiro filme dirigido por Sofia Coppola, filha do cineasta Francis Ford Coppola.

No entanto, não nos prenderemos na história em si, que por sinal procura entender a alma humana de uma maneira distinta, mas sim na trama, no jogo de segredos que o livro oferece, pois contrário de um filme de mistério esse livro não tem solução evidente, não há uma razão pela qual as meninas se mataram. Este livro admite que não há razões óbvias para as mortes das meninas ou pelo menos não são tão óbvias quanto achávamos que fossem, apesar de algumas explicações psicanalíticas. É isso que faz este trabalho literário, como outros dessa mesma natureza, ser interessante.

Esses livros demonstram o quanto são atraentes e muito importantes às obras que não se tem explicações lógicas, pelo menos não são tão óbvias sobre uma determinada questão. Livros não precisam ser óbvios. Eles precisam ser coadjuvantes, mas não a ponto de oferecerem uma solução pronta para o leitor. Livros têm que fazer o leitor pensar e não só fazê-lo “viajar”, mas viver realmente o fato e por ser um fato vivido é o próprio leitor que chegará a uma conclusão sobre o que foi experienciado. Cada caso é um caso.

Um dos papéis da literatura é levar o leitor para uma vida que ele jamais viveu (ou se viveu, apresentá-la com outro aspecto) e assim fazê-lo mais conhecedor, pois só vivendo, experienciando, as coisas é que podemos nos desenvolver.

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A pessoa que lê livros desse estilo, além de melhorar o seu cognitivo, pois ela procura desvendar os mistérios e sua inteligência e sua sensibilidade estão sendo desenvolvidas na trama, acaba também tendo várias “vidas” e como são vidas, só quem viveu pode concluir algo mais concreto sobre o acontecimento. Não há ninguém, nenhum tipo de autor, como nos livros de auto-ajuda, resolvendo os seus problemas. A literatura não é um padre, não está lá para ditar sua vida. Até porque a vida é mais complexa que tais auto-ajudas.

A boa literatura tem como filosofia a ideia de que existem algumas coisas que você tem que fazer por si mesmo. Se eu bebo a sua sede continua, se eu como a sua fome continua. Ninguém pode matar a sua sede e sua fome se não você mesmo.

Tudo o que você não desenvolveu, não viveu, será perdido. Você não pode desfrutar, confiar naquilo que não se desenvolveu em seu ser naturalmente. A verdade não pode ser dada, ela não é transferível. E é nisso que a literatura dessa natureza procura trabalhar, ao oferecer ao leitor uma vida intrigante para que possa resolvê-la de acordo com a sua capacidade, em vez de dar algo pronto.

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A literatura de qualidade faz o leitor viver situações com problemas contidas na manipulação da trama e conseqüentemente ele cresce através da procura de soluções e de alternativas, favorecendo a concentração, a atenção, o engajamento, o conhecimento crítico-reflexivo e a imaginação. Como decorrência disto o leitor aprende a pensar, estimulando sua inteligência.

Para que o livro seja significativo para o leitor é preciso que tenha pontos de contato com a realidade, por isso as obras de autores como Machado de Assis, Franz Kafka, Clarice Lispector, Fiódor Dostoiévski, Jeffrey Eugenides etc. são ótimas. Já que a vida real não permite ensaios, você pode “ensaiá-los” nessas obras, tendo mais bagagem para viver melhor, uma vez que elas têm algo a dizer sobre a vida.

Saindo de Jeffrey, um autor do nosso tempo, ainda em crescimento, mas mostrando bons frutos, iremos para os clássicos, como o Kafka e o seu livro “O processo”, o qual Albert Camus, outro grande nome da literatura, afirmava que “a arte de Kafka consiste em obrigar o leitor a reler. Seus desenlaces, ou suas faltas de desenlace, sugerem explicações, mas que não são reveladas com clareza e exigem, para nos parecerem fundadas, que a história seja relida sob um novo ângulo.” O crítico Erich Heller, por sua vez, é categórico:

“Existe apenas um meio de evitar o trabalho de interpretar ‘O processo’: não ler o livro”, pois “a compulsão para interpretar é insuportável e tão grande como, para a maioria dos leitores, a dificuldade de abandonar a leitura: trata-se de pressões idênticas”.

Também as obras de Dostoiévski, apesar de tantas interpretações, exigem do leitor praticamente tanta garra e tanta erudição quanto demonstra ter o próprio autor, ou seja, exige um conhecimento amplo da história do pensamento filosófico, além de atos de investigação, de montagem, uma ação, portanto, interativa, mas não de puro entretenimento.

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Esses livros podem ser chamados de “literatura exigente”, no sentido de que são livros que não dão moleza ao leitor, de certa forma. O termo “literatura exigente” é usado pela Leyla Perrone-Moisés, uma das mais destacadas críticas literárias do Brasil, para falar não só de trabalhos como os de Kafka etc., mas, especificamente, para oferecer destaque a uma corrente da prosa brasileira atual, responsável por obras de gênero “inclassificável”, misto de ficção, diário ensaio, crônica e poesia. Entre os autores, estão Nuno Ramos, Evando Nascimento, André Queiroz e Carlos de Brito e Mello.

Eu busquei esse termo, “literatura exigente”, com um sentido de uma ideia de literatura que exige do leitor, que são obras mais do que puro entretenimento, pois a tal leitura amplia horizontes e o leva a refletir sobre temas que em outras circunstâncias ele nem imaginaria.

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Então leia livros dessa natureza e permita-se viver livremente e desfrutar de todas as experiências necessárias ao conhecimento. Lembre-se de que todos os ensinamentos são para esclarecê-lo como tal fato acontece, para falar a respeito do processo, mas ninguém pode fazer por você. Por isso, as obras literárias fazem o leitor experienciar e isso é importantíssimo, já que é um método de reflexão crítica, caso contrário, é necessário desconfiar de uma sabedoria que não é fruto da reflexão e da maturidade obtida pelos próprios esforços.

Livros assim não subestimam o leitor, pelo contrário, sabe que ele é inteligente e por isso oferecem uma temática astuta ou difícil de ser resolvida, assim como são certas questões na vida.

O livro de qualidade diferencia-se de outros livros. Ele lhe conduz a examinar e a superar seus sistemas de crença e preconceitos resultantes de um condicionamento que limita a nossa capacidade de aproveitar a vida da melhor forma possível. Você simplesmente não é só um leitor depois de sua leitura, você é outra pessoa.

Como disse Alexander Soljenitsyne:

“Uma literatura que não respire o ar da sociedade que lhe é contemporânea, que não ouse comunicar à sociedade os seus próprios sofrimentos e as suas próprias aspirações, que não seja capaz de perceber a tempo os perigos morais e sociais que lhe dizem respeito, não merece o nome de literatura: quando muito pode aspirar a ser cosmética.”

Para finalizar, ofereço esse vídeo que aborda a importância do livro: